Estudando o Espiritismo

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domingo, 10 de maio de 2015

HUMANIZAÇÃO

http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/hum.html


Eduardo Henrique Passos Pereira Regina Duarte Benevides de Barros
No campo das políticas públicas de saúde ‘humanização’ diz respeito à transformação dos modelos de atenção e de gestão nos serviços e sistemas de saúde, indicando a necessária construção de novas relações entre usuários e trabalhadores e destes entre si.
A ‘humanização’ em saúde volta-se para as práticas concretas comprometidas com a produção de saúde e produção de sujeitos (Campos, 2000) de tal modo que atender melhor o usuário se dá em sintonia com melhores condições de trabalho e de participação dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde (princípio da indissociabilidade entre atenção e gestão). Este voltar-se para as experiências concretas se dá por considerar o humano em sua capacidade criadora e singular inseparável, entretanto, dos movimentos coletivos que o constituem.
Orientada pelos princípios da transversalidade e da indissociabilidade entre atenção e gestão, a ‘humanização’ se expressa a partir de 2003 como Política Nacional de Humanização (PNH) (Brasil/Ministério da Saúde, 2004). Como tal, compromete-se com a construção de uma nova relação seja entre as demais políticas e programas de saúde, seja entre as instâncias de efetuação do Sistema Único de Saúde (SUS), seja entre os diferentes atores que constituem o processo de trabalho em saúde. O aumento do grau de comunicação em cada grupo e entre os grupos (princípio da transversalidade) e o aumento do grau de democracia institucional por meio de processos co-gestivos da produção de saúde e do grau de co-responsabilidade no cuidado são decisivos para a mudança que se pretende.
Transformar práticas de saúde exige mudanças no processo de construção dos sujeitos dessas práticas. Somente com trabalhadores e usuários protagonistas e co-responsáveis é possível efetivar a aposta que o SUS faz na universalidade do acesso, na integralidade do cuidado e na eqüidade das ofertas em saúde. Por isso, falamos da ‘humanização’ do SUS (HumanizaSUS) como processo de subjetivação que se efetiva com a alteração dos modelos de atenção e de gestão em saúde, isto é, novos sujeitos implicados em novas práticas de saúde. Pensar a saúde como experiência de criação de si e de modos de viver é tomar a vida em seu movimento de produção de normas e não de assujeitamento a elas.
Define-se, assim, a ‘humanização’ como a valorização dos processos de mudança dos sujeitos na produção de saúde.
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GÊNESE DO CONCEITO
Por ‘humanização’ entende-se menos a retomada ou revalorização da imagem idealizada do Homem e mais a incitação a um processo de produção de novos territórios existenciais (Benevides & Passos, 2005a).
Neste sentido, não havendo uma imagem definitiva e ideal do Homem, é preciso aceitar a tarefa sempre inconclusa da reinvenção da humanidade, o que não pode se fazer sem o trabalho também constante da produção de outros modos de vida, de novas práticas de saúde.
Tais afirmações indicam que na gênese do conceito de ‘humanização’ há uma tomada de posição de que o homem para o qual as políticas de saúde são construídas deve ser o homem comum, o homem concreto. Deste modo, o humano é retirado de uma posição-padrão, abstrata e distante das realidades concretas e é tomado em sua singularidade e complexidade. Há, portanto, na gênese do conceito, tal como ele se apresenta no campo das políticas de saúde, a fundação de uma concepção de ‘humanização’ crítica à tradicional definição do humano como “bondoso, humanitário” (Dicionário Aurélio). Esta crítica permite argüir movimentos de ‘coisificação’ dos sujeitos e afirmar a aventura criadora do humano em suas diferenças. ‘Humanização’, assim, em sua gênese, indica potencialização da capacidade humana de ser autônomo em conexão com o plano coletivo que lhe é adjacente.
Para esta capacidade se exercer é necessário o encontro com um ‘outro’, estabelecendo com ele regime de trocas e construindo redes que suportem diferenciações. Como o trabalho em saúde possui “natureza eminentemente conversacional” (Teixeira, 2003), entendemos que a efetuação da ‘humanização’ como política de saúde se faz pela experimentação conectiva/ afectiva entre os diferentes sujeitos, entre os diferentes processos de trabalho constituindo outros modos de subjetivação e outros modos de trabalhar, outros modos de atender, outros modos de gerir a atenção.
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DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO
Nos anos 90, o direito à privacidade, a confidencialidade da informação, o consentimento em face de procedimentos médicos praticados com o usuário e o atendimento respeitoso por parte dos profissionais de saúde ganham força reivindicatória orientando propostas, programas e políticas de saúde. Com isto vai-se configurando um “núcleo do conceito de humanização [cuja] idéia [é a] de dignidade e respeito à vida humana, enfatizando-se a dimensão ética na relação entre pacientes e profissionais de saúde” (Vaitsman & Andrade, 2005, p. 608).
Cresce o sentido que liga a ‘humanização’ ao campo dos direitos humanos referidos, principalmente ao dos usuários, valorizando sua inserção como cidadãos de direitos. As alianças entre os movimentos de saúde e os demais movimentos sociais, como por exemplo, o feminismo, desempenham aí papel fundamental na luta pela garantia de maior eqüidade e democracia nas relações.
A XI Conferência Nacional de Saúde, CNS (2000), que tinha como título “Acesso, qualidade e humanização na atenção à saúde com controle social”, procura interferir nas agendas das políticas públicas de saúde. De 2000 a 2002, o Programa Nacional de Humanização da Atenção Hospitalar (PNHAH) iniciou ações em hospitais com o intuito de criar comitês de ‘humanização’ voltados para a melhoria na qualidade da atenção ao usuário e, mais tarde, ao trabalhador. Tais iniciativas encontravam um cenário ambíguo em que a humanização era reivindicada pelos usuários e alguns trabalhadores e, por vezes, secundarizada por gestores e profissionais de saúde. Por um lado, os usuários reivindicam o que é de direito: atenção com acolhimento e de modo resolutivo; os profissionais lutam por melhores condições de trabalho. Por outro lado, os críticos às propostas humanizantes no campo da saúde denunciavam que as iniciativas em curso se reduziam, grande parte das vezes, a alterações que não chegavam efetivamente a colocar em questão os modelos de atenção e de gestão instituídos (Benevides & Passos, 2005a).
Entre os anos 1999 e 2002, além do PNHAH, algumas outras ações e programas foram propostos pelo Ministério da Saúde voltados para o que também foi-se definindo como campo da ‘humanização’. Destacamos a instauração do procedimento de Carta ao Usuário (1999), Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH –1999); Programa de Acreditação Hospitalar (2001); Programa Centros Colaboradores para a Qualidade e Assistência Hospitalar (2000); Programa de Modernização Gerencial dos Grandes Estabelecimentos de Saúde (1999); Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (2000); Norma de Atenção Humanizada de Recém-Nascido de Baixo Peso – Método Canguru (2000), dentre outros. Ainda que a palavra ‘humanização’ não apareça em todos os programas e ações e que haja diferentes intenções e focos entre eles, podemos acompanhar a relação que vai-se estabelecendo entre humanização qualidade na atenção-satisfação do usuário (Benevides & Passos, 2005a).
Com estas direções foram definidos norteadores para a Política Nacional de Humanização (Brasil, 2004): 1) Valorização das dimensões subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão no SUS, fortalecendo o compromisso com os direitos do cidadão, destacando-se o respeito às questões de gênero, etnia, raça, orientação sexual e às populações específicas (índios, quilombolas, ribeirinhos, assentados etc); 2) Fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, fomentando a transversalidade e a grupalidade; 3) Apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e comprometidas com a produção de saúde e com a produção de sujeitos; 4) Construção de autonomia e protagonismo de sujeitos e coletivos implicados na rede do SUS; 5) Co-responsabilidade desses sujeitos nos processos de gestão e de atenção; 6) Fortalecimento do controle social com caráter participativo em todas as instâncias gestoras do SUS; 7) Compromisso com a democratização das relações de trabalho e valorização dos profissionais de saúde, estimulando processos de educação permanente.
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EMPREGO NA ATUALIDADE
A ‘humanização’ enquanto política pública de saúde vem-se afirmando na atualidade como criação de espaços/tempos que alterem as formas de produzir saúde, tomando como princípios o aumento do grau de comunicação entre sujeitos e equipes (transversalidade), assim como a inseparabilidade entre a atenção e a gestão. Este movimento se faz com sujeitos que possam exercer sua autonomia de modo acolhedor, co-responsável, resolutivo e de gestão compartilhada dos processos de trabalho.
Podemos dizer que se trata de uma
“estratégia de interferência no processo de produção de saúde, através do investimento em um novo tipo de interação entre sujeitos, qualificando vínculos interprofissionais e destes com os usuários do sistema e sustentando a construção de novos dispositivos institucionais nessa lógica” (Deslandes, 2004, p. 11).
“Trabalharmos em prol da transdisciplinaridade, buscarmos relações mais horizontalizadas de poder entre os diversos saberes (...) não descartar a clínica (...)” (Onocko Campos, 2005, p. 578), [indicam que] “em saúde (...) é sempre necessário não separar, nem dissociar a questão clínica das formas de organização do trabalho e sua (...) gestão” (Onocko Campos, 2005, p. 579).
Com a desestabilização do caráter unitário e totalitário de ‘homem’ e com a valorização da dimensão concreta das práticas de saúde, o conceito de ‘humanização’ ganha capacidade de transformação dos modelos de gestão e atenção.
Assim, ao ser proposto como política pública, o conceito de ‘humanização’ se amplia, por um lado, incorporando concepções que procuram garantir os direitos dos usuários e trabalhadores e, por outro, apontando diretrizes e dispositivos clínico-políticos concretos e comprometidos com um SUS que dá certo.
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PARA SABER MAIS
BENEVIDES DE BARROS, R. & PASSOS, E. Humanização na saúde: um novo modismo?. Interface, 9(17): 389-394, 2005a.
BENEVIDES DE BARROS, R. & PASSOS, E. A humanização como dimensão pública das políticas públicas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 10(3): 561- 571, 2005b.
BRASIL/MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Humanização, 2004. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/saude/area.cfm?id_area=390. Acesso em: 25 ago 2006.
CAMPOS, G. W. Um Método para Análise e Co-Gestão dos Coletivos: a construção do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições – o método da roda. São Paulo: Hucitec, 2000.
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DESLANDES, S. F. Análise do discurso oficial sobre humanização da assistência hospitalar. Ciênc. Saúde Colet., 9(1): 7-13, 2004.
DESLANDES, S. F. A ótica de gestores sobre a humanização da assistência nas maternidades municipais do Rio de Janeiro. Ciênc. Saúde Colet., 10(3): 615-626, 2005.
ONOCKO CAMPOS, R. Humano, demasiado humano: uma abordaje del malestar em la institución hospitalaria. In: SPINELLI, H. (Org.) Salud Colectiva. Buenos Aires: Lugar Editorial, 2004.
ONOCKO CAMPOS, R. O encontro trabalhador-usuário na atenção à saúde: uma contribuição da narrativa psicanalítica ao tema do sujeito na saúde coletiva. Ciênc. Saúde Colet., 10(3): 573-583, 2005.
PUCCINI, P. T. & CECÍLIO, L. C. O. A humanização dos serviços e o direito à saúde. Cad. Saúde Pública, 20(5): 1342-1353, 2004.
TEIXEIRA, R. R. Acolhimento num serviço de saúde entendido como uma rede de conversações. In: PINHEIRO, R. &  MATTOS, R. A. (Orgs.) Construção da Integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: IMS/Uerj/Abrasco, 2003.
TEIXEIRA, R. R. Humanização e atenção primária à saúde. Ciênc. Saúde Colet., 10(3): 585- 598, 2005.
VAITSMAN, J. & ANDRADE, G. Satisfação e responsividade: formas de medir a qualidade e a humanização da assistência à saúde Ciênc. Saúde Colet., 10(3): 599-613, 2005.

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