Estudando o Espiritismo

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segunda-feira, 22 de julho de 2013

A Reencarnação no Plano Social

1. Expiação e Progresso

Segundo a Doutrina Espírita, Deus cria os espíritos na simplicidade e na ignorância, tendo tempo e espaço para progredirem. Para que possam desenvolver suas potencialidades necessitam encarnar num corpo material. As encarnações são sucessivas e sempre muito numerosas, pois “o progresso é quase infinito.” (1)

Os espíritos falam sobre o papel da reencarnação na pergunta 167 de O Livro dos Espíritos, onde Allan Kardec formula a seguinte questão: “Qual é a finalidade da reencarnação? Expiação, melhoramento progressivo da humanidade. Sem isso, onde estaria a justiça?”

Quando os espíritos respondem primeiramente que a reencarnação tem uma finalidade expiatória, eles não querem dizer que ela seja punitiva e condenatória.

A palavra expiação tem várias acepções (castigo, penitência, cumprimento de pena, sofrer conseqüências de, preces para aplacar a divindade etc.) que são comumente associadas à idéia de pecado e mortificação. Idéia essa estranha à concepção espírita. Considerando as várias acepções existentes, a que mais se acomoda ao que os espíritos colocaram é a de “sofrer conseqüências de”, em conformidade com o livre-arbítrio e a Lei de Ação e Reação.

Sobre a finalidade da encarnação, os espíritos respondem que “Deus a impõe com o fim de levá-los à perfeição. Para uns, é uma expiação, para outros, uma missão. Mas, para chegar a essa perfeição, eles devem sofrer todas as vicissitudes da existência corpórea: nisto é que está a expiação.” (2)

O termo expiação, usado constantemente pelos espíritos, aparece acompanhado de uma explicação bem sintética e muito densa, quando analisada com mais cuidado.

O espírito, quando encarnado, acha-se sujeito a uma série de limitações impostas pelo seu corpo físico. Há as dificuldades de comunicação, transporte e a falta de uma série de instrumentos que o corpo não possui. “No físico, o homem é como os animais e menos bem provido que muitos dentre eles; a natureza lhes deu tudo aquilo que o homem é obrigado a inventar com a sua inteligência, para prover às suas necessidades e à sua conservação”. (3)

O ser humano, desde as cavernas até os nossos dias, tem buscado vencer suas limitações como espírito encarnado. Depois de um processo incessante de conhecimento e domínio da natureza, ele hoje exerce sobre ela um controle quase que total. Os transportes, os meios de comunicação, estão bem avançados e há um desenvolvimento das ciências nunca antes presenciado pela humanidade.

As vicissitudes da vida, que os espíritos responderam como sendo uma expiação ou missão, dependendo de cada um, têm levado o ser humano a desenvolver a sua inteligência para prover as suas exigências biológicas que, pela própria natureza humana, extrapolam o plano material, para se colocarem no plano moral e social. Através do contato interpessoal também busca a satisfação de necessidades de ordem psicológica pelo convívio, afeto e troca de emoções. Tais necessidades podem caracterizar uma situação de expiação, dependendo da forma como ele se relaciona e do grau evolutivo em que se encontre.

Para o Espiritismo, expiação, em suma, não tem significado de penitência, condenação ou punição. Seu significado, como os espíritos estabeleceram, é o de desafio à inteligência e à condição moral do espírito. Um desafio constante que visa promover o progresso individual e coletivo.

2. Visão Deturpada

Porém, para muitos, a reencarnação é tida unicamente como punição que o sujeito sofre pelas faltas cometidas em outras existências.

A Lei de Ação e Reação é considerada como uma lei mecanicista, que provoca situações determinadas autoritariamente por espíritos elevados, à revelia do reencarnante. Transparece a idéia de castigo divino, disfarçada por uma visão distorcida de muitos conceitos espíritas.

A influência do cristianismo ainda é muito forte, pois a nossa formação cultural se encontra imersa na idéias cristãs. Isso ocasiona, a priori, uma postura ideológica de rejeição quase que imediata, diante de qualquer conhecimento novo, ou de adaptação, aprisionando determinados conceitos espíritas ao pré-conceito já estabelecido ao longo das existências. É o que vem acontecendo no meio espírita onde a influência, principalmente do catolicismo, é muito marcante.

As visões deturpadas que se têm dos princípios fundamentais do Espiritismo provocam análises ingênuas, permeadas de misticismo e intenções salvacionistas. A Lei de Ação e Reação, aplicada mediante a reencarnação, vem assim fundamentar a idéia de que o nosso planeta seja um local de sofrimento, que viemos aqui para pagar e sofrer, tendo que nos conformar com a nossa situação existencial. E, para enfrentar tal realidade, busca-se a “reforma íntima” para se livrar do expurgo do Terceiro Milênio, transportando para o Espiritismo a idéia de Juízo Final, aceita pelo cristianismo.

3. Reencarnação e Alienação

Esses pensamentos fatalistas e antidoutrinários aprisionam as pessoas num moralismo bitolante, estabelecem um modelo de comportamento inautêntico, que busca mudanças através de um conjunto de regras, onde o mundo passa a ser dividido de forma maniqueísta, entre o que se deve e o que não se deve fazer.

Devido a essas deturpações doutrinárias, efetuadas pelos espíritas desde que o Espiritismo começou a se difundir no Brasil, ele tem sido considerado, por eminentes pensadores de nossa época, como uma religião conformista, que anestesia as consciências, alienando os indivíduos dos problemas atuais, devido à visão de resignação que, segundo eles, é instituída pela idéia da reencarnação.

O Espiritismo é, acima de tudo, uma nova ordem de idéias acerca da vida e da existência do ser humano como criatura imortal e perfectível, tendo todas as condições conceituais para ajudar a promover uma revolução cultural no nosso planeta.

A lei dos renascimentos sucessivos, segundo a visão espírita, abre perspectivas nunca antes contempladas. A imortalidade, exercitada pelo espírito ao longo de suas existências num processo contínuo de evolução infinita, vem elucidar uma série de questões que vão desde o plano biológico, psicológico ao plano social, até então inexplicáveis, tanto pelos espiritualistas como pelos estudiosos das leis que regem o mundo material.

Conforme Allan Kardec, “a encarnação não é uma punição como pensam alguns, mas uma condição inerente à inferioridade do espírito e um meio dele progredir” (4); “a encarnação é necessária ao duplo progresso moral e intelectual do espírito; ao progresso intelectual pela atividade obrigatória do trabalho; ao progresso moral pela necessidade recíproca dos homens entre si. A vida social é a pedra de toque das boas e más qualidades”. (5)

4 - O Social na Visão Reencarnacionista

O retorno à vida corporal demonstra a soberana bondade e justiça do Criador, que sempre oferece uma nova oportunidade de reajuste e continuidade do trabalho não concluído. Faz parte da Lei de Progresso, que ocorre tanto em nível individual como coletivo, onde os planetas e até as galáxias acham-se submetidos à evolução.

O espírito, de posse de seu livre arbítrio, estabelece a sua situação no relacionamento com os companheiros em evolução, frente a problemas que necessita solucionar através do trabalho constante. Estando encarnado, dá continuidade ao seu processo de crescimento em todos os sentidos. Os sofrimentos individuais e coletivos têm, desse modo, a sua razão de ser, pois cada um constrói a sua própria vida e está aqui não para simplesmente sofrer, de forma abnegada e impassível, mas para vencer a si mesmo e superar os problemas causados pelas suas imperfeições, sua inexperiência, seja na família ou na sociedade.

Todos os obstáculos a serem removidos pela nossa atuação não existem ao acaso. Por outro lado, a nossa existência não é projetada arbitrariamente pelo “plano espiritual”. Trata-se de uma condição natural determinada pelo nosso estágio evolutivo.

A injustiça e a opressão sociais estabelecem relações que definem situações existenciais utilizadas pela Natureza para a evolução dos espíritos, que pelas suas necessidades de reajuste educativo, reencarnam em um meio adequado e conveniente para com o gênero de provas no qual aspiram.

A escolha das provas existenciais que desejam experimentar é feita livremente, de acordo com sua capacidade e merecimento, assessorados, segundo a teoria espírita, por espíritos mais elevados, responsáveis pelos renascimentos físicos. As chamadas provas existem para serem enfrentadas e vencidas, constituindo um desafio para o espírito, artífice da sua própria evolução.

O entendimento da lógica da organização social necessita do conhecimento de sua estruturação interna e de como se deu historicamente o estabelecimento das atuais relações econômicas.

A leitura e o estudo de diversos pensadores que se debruçaram sobre as questões sócio-econômicas, como Keynes, Marx, Engels, Weber etc., ao lado da Kardequiana e de seus continuadores, oferece condições para que haja uma interpenetração conceitual, que resultará numa visão fundamentada do fenômeno social segundo o Espiritismo. No entanto, o que se tem notado no movimento espírita é uma reação a qualquer tentativa de se intervir no plano social, cabendo lembrar a pressão e a marginalização que sofreram os integrantes do MUE (Movimento Universitário Espírita) nos anos 60, que marca um deprimente episódio da história do Espiritismo no Brasil.

A problemática social ainda é justificada inocentemente pela Lei de Ação e Reação e se não tomarmos cuidado, repetiremos erros históricos, como no caso da Índia, onde as castas eram justificadas pela reencarnação devido a interesses ideológicos que desfiguram a sua divulgação para as massas.

O social, dentro da perspectiva reencarnacionista, apoiada nas teorias sociológicas, torna-se mais abrangente, abrindo campos de análise ainda desconsiderados pelos cientistas sociais e pelos próprios espíritas. O seu entendimento possibilita condições para se analisar a injustiça e as desigualdades sociais, onde os espíritos encarnados diante de tal quadro, geram conflitos necessários à mudança da ordem social, em busca de seu bem-estar, caracterizando tais conflitos, o que Karl Marx denominou de luta de classes. “As convulsões sociais são a revolta dos espíritos encarnados contra o mal que os oprime, índice de que anseiam por um reino de justiça, do qual têm sede, sem entretanto saberem bem o que querem e os meios de consegui-los.” (6)

“O bem-estar é um desejo natural” (7) que predomina em todos os homens. Se desprovidos das condições essenciais para a sua reprodução e conservação, se revoltam violentamente ou, em outro extremo, devido à ideologia dominante e conservadora, se conformam. A busca do bem-estar, segundo o Espiritismo, é necessária e nunca será um crime se for conquistada sem o prejuízo de alguém.

Os Espíritos sustentam que as desigualdades sociais não são obra de Deus, são obras dos homens e serão eles próprios que através de existências sucessivas irão eliminando essas desigualdades.

Humberto Mariotti, em sua magistral obra Parapsicologia e Materialismo Histórico (Edicel - 2ª edição/cap. XVI) coloca o seguinte:

“A reencarnação, ou lei palingenésica, não justificará, como ainda se pretende, as desigualdades sociais. A lei de causalidade espiritual ou existencial não determina as formas de sociedade, pois o destino individual do homem carece de força histórica para estabelecer um regime social, baseado no sistema de propriedade privada”, e acrescenta ainda que “a lei de renascimento origina destinos individuais, mas não poderá jamais determinar sistemas sociais. Os sistemas ou formas de convivência social, estabelece-os a ciência da sociedade, elaborada pelo mais brilhantes espíritos”.

A existência de comunidades desprovidas de recursos essenciais a sua existência nunca será legitimada pela reencarnação, pois sabemos que, historicamente, os ricos sempre foram minoria, havendo portanto uma desproporção aritmética entre ricos e pobres que, em todos as épocas da humanidade, constituíram a grande massa.

A aceitação conformista dos problemas de natureza econômica e política, concebendo-os como algo estático e insensível a mudanças pelas nossas ações, vem atender aos interesses de uma elite que quer se perpetuar no poder. A necessidade de se transformar a nossa sociedade desigual em uma sociedade igualitária torna-se um dever, implicando numa melhoria do planeta em que vivemos a fim de que todos possamos progredir de forma sadia e adequada.

5. Individual e Coletivo

Através da reencarnação ocorre uma integração constante entre o mundo físico e o extrafísico. Um reage sobre o outro, incessantemente. Tanto os espíritos quanto os homens, que são também espíritos, desempenham um papel imprescindível no aperfeiçoamento da humanidade, pois além de promoverem seu progresso individual, estão colocados “em condições de enfrentar sua parte na obra da criação.” (8)

Afirma o pensador espírita Herculano Pires, com muita propriedade, que “a renovação do homem implica a renovação social, mas desde que o homem renovado se empenhe na transformação do meio que vive, sendo esta, aliás, a sua indeclinável obrigação.” (9)

Essa posição é reafirmada por Herculano nas seguintes palavras: “melhorar apenas o homem numa estrutura imoral equivaleria a melhorar a estrutura com um homem imoral” (10) e “transformar o mundo pela transformação do homem e transformar o homem pela transformação do mundo, eis a dialética do Reino.” (11)

É um equívoco pensar que o Espiritismo propõe a renovação social a partir de uma transformação individualista e que os seus princípios levem o indivíduo a promover a sua transformação na intimidade de sua consciência, sem se politizar e desempenhar o seu papel social como espírita e ser político que é.

Allan Kardec afirma que o “resultado de todos os progressos individuais é o progresso geral” (12) e complementa essa afirmação ao dizer que “a aspiração do homem por uma ordem de coisas melhor que a atual é um indício certo da possibilidade de que chegará a ela. Cabe, pois, aos homens amantes do progresso, ativar este movimento pelo estudo e a prática dos meios que julgam mais eficazes.” (13)

O homem, “concorrendo para a obra geral, também progride” (14). É parte primordial da sociedade e a sociedade, seu espaço de integração. Assim como não pode viver sem a sociedade, a sociedade sem ele deixaria de existir. Um reafirma o outro. “No isolamento o homem se embrutece e se estiola” (15) e a necessidade de sociabilização se impõe como um impulso natural, necessário para o seu progresso e o da coletividade.

Pelos renascimentos sucessivos, o trabalho elaborado em prol de uma sociedade mais fraterna nunca será em vão, pois além de ser uma herança para os que momentaneamente permanecem encarnados, será uma futura recompensa para quem reencontrar a realidade que ajudou a transformar.

Notas Bibliográficas

(1) O Livro dos Espíritos – Allan Kardec - pergunta 169 (Lake - 41ª edição).
(2) Idem – pergunta 132.
(3) Idem – pergunta 592.
(4) A Gênese – Allan Kardec - cap. XI - item 26 (FEB - 20ª edição).
(5) O Céu e o Inferno – Allan Kardec - cap. VIII/&8. (FEB - 22ª edição).
(6) Obras Póstumas – Allan Kardec - 1ª parte/As Expiações Coletivas (Lake - 2ª edição).
(7) O Livro dos Espíritos – pergunta 719.
(8) Idem – pergunta 132.
(9) Espiritismo Dialético – J .Herculano Pires; O Indivíduo e o Meio. (edições A Fagulha - MUE).
(10) O Reino – J.Herculano Pires. Cap. VIII (Edicel - 1ª edição).
(11) Idem – cap. VIII.
(12) Obras Póstumas – Allan Kardec - 2ª parte/Credo Espírita.
(13) Idem – Allan Kardec - 2ª parte/Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
(14) O Livro dos Espíritos – pergunta 132.
(15) Idem – pergunta 768.

Texto originalmente publicado no periódico santista Espiritismo e Unificação (maio de 1985).

Eugenio Lara é arquiteto e jornalista. Membro-fundador do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (CPDoc) e do Instituto Cultural Kardecista de Santos, redator do jornal espírita Abertura e um dos coordenadores do site PENSE - Pensamento Social Espírita.
E-mail: eugeniolara@uol.com.br

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