Estudando o Espiritismo

Observe os links ao lado. Eles podem ter artigos com o mesmo tema que você está pesquisando.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

NO ATO DE JULGAR




Não prescindas do amor que devemos a todas as coisas e a todas as criaturas para que não te falte luz ao entendimento.
Analisando os desequilíbrios do mundo, reflete na Infinita Bondade que assegura a trajetória da Terra, no caminho dos astros, e reconhecerás que toda desarmonia é superficial e aparente.
Observando os conflitos da Humanidade, relaciona os sacrifícios daqueles que te abriram o sulco luminoso do progresso aos próprios passos e, inventariando-lhes as lágrimas anônimas, aperfeiçoarás com teu esforço a estrada para aqueles que te sucederão no futuro.
Apreciando os erros de alguém, medita nos ideais e nas esperanças superiores que decerto lhe povoaram o coração, e compreenderás que outro comportamento talvez lhe assinalasse a jornada, se possuísse oportunidades iguais às tuas.
Diante daqueles que os tribunais humanos classificam à conta de delinquentes, pensa nas comovedoras aspirações das mães que lhes afagaram o berço e compaixão imensa nascerá de tua alma, ensinando-te a auxiliar ao invés de ferir.
Longo e alcantilado é o trilho da evolução!
Compadece-te de todos aqueles que voltaram à estaca de início, para recomeçar o caminho a pés sangrentos.
No entanto, além da piedade, oferece-lhe braços compreensivos e diligentes, porque amanhã será talvez o teu dia de cansaço e tristeza, desencanto e desilusão, quando reclamarás igualmente o concurso de mãos fraternas a te refazerem as energias ou a te recomporem os membros desconjuntados.
Sobretudo, não condenes, nem amaldiçoes, em circunstância alguma, porque o Cristo de Deus ainda não desesperou de nossas fraquezas e hoje, tanto quanto ontem, procura com amor e paciência, libertar-nos a visão da trave do egoísmo e da crueldade, da indiferença e da ignorância, para que com Ele venhamos a cooperar na sustentação da segurança e da paz.

( Pelo Espírito Emmanuel - Do livro: Reconforto - Médium: Francisco Cândido Xavier )

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O caminho da Reforma Íntima

CAROLINE S.TREIGHER


“Reconhece-se o verdadeiro espírita por sua transformação moral e pelo esforço que faz em domar as más inclinações”.
Allan Kardec



1. Por que este tema?

Nas palestras espíritas o tema Reforma Íntima é muito comum. Talvez por conta da colocação de Kardec no trecho acima, do capítulo XVII de seu livro “O Evangelho segundo o Espiritismo”, em que define espírita como aquele que se esforça no domínio das más inclinações, com o objetivo da reforma interior.

Observemos a importância de o codificador afirmar que o espírita não é simplesmente aquele que frenquenta o Centro Espírita, que faz prece antes de dormir, que realiza palestras, que aplica passes ou participa de uma mesa mediúnica. Tal frase retira absolutamente a possibilidade de alguém cogitar ser “espírita não praticante”, como já ouvi falarem alguns que estão longe de saber o que é ser espírita.

Está cheio de gente que simpatiza com as idéias espíritas e afirma-se espírita, sem sê-lo. E freqüentadores de centros espíritas que pensam ser espíritas porque participam de um ou outro grupo de estudo das obras básicas do espiritismo.

Também há gente que, com delicada hipocrisia, após anos de imersão nos movimentos espiritistas, diz que não é espírita para ficar bem na fita, uma vez que não atingiu a perfeição. Dizem: “Estou tentando ser espírita”. Como se ser espírita fosse ser perfeito!

Não, espírita é aquele que se esforça na Reforma Íntima, informa Kardec. Seu esforço é que o caracteriza. Não o cumprimento de um certo sistema fechado com manual de normas e procedimentos.

Isto porque o espiritismo não é uma religião propriamente dita, não possui dogmas, rituais, sacramentos. É uma doutrina de tríplice aspecto, filosofia, ciência, religião.

Em seu aspecto científico, nasceu do espírito investigativo, possui método, compara resultados. Assim foi escrito o primeiro livro espírita: “O Livro dos Espíritos”.

Em seu aspecto filosófico trata de questões existenciais e metafísicas, de uma maneira racional, coerente, lógica. Investiga o porquê da vida, da dor, a morte e o depois da morte, enfim, o de onde viemos e para onde vamos.

Em seu viés religioso nasceu da revelação divina, mas não por um único médium, e não de uma só fonte. Não, o espiritismo foi o resultado das informações de vários espíritos, obtidas por diversos médiuns, comparadas, analisadas, avaliadas em seu conteúdo por um grupo de estudiosos, dentre os quais sobressai Kardec! E mais: de todas as verdades reveladas, conclui-se que o motivo pelo qual estamos neste mundo é desenvolver nosso potencial de espíritos criados por Deus, fadados à felicidade. Praticar o bem é estar de acordo com as leis divinas. Jesus é o nosso modelo. E o desenvolvimento do potencial divino se dá pela Reforma Íntima.


2. O que é Reforma Íntima.

Reforma Íntima, este esforço no domínio das más inclinações é, na essência, inicialmente, uma mudança na maneira de ver as coisas. Uma mudança de paradigmas. Paradigmas são lentes pelas quais enxergamos o mundo, os seres, as pessoas, os acontecimentos.

Como mudança paradigmática, acontece interiormente, na intimidade do coração. Não é, necessariamente, uma transformação notória. É paulatina e seus resultados se apresentam apenas depois de algum tempo.

Quando a maioria de nós entra em contato com o espiritismo, imediatamente realiza, natural e espontaneamente, uma mudança interior. Porque muda sua visão de Deus, do homem, da existência. Por exemplo, passa a acreditar não apenas na vida após a morte, mas na vida antes da vida! Quando olha uma criança que nasce, reconhece que ali está um Espírito, com uma história, com um passado a ser expiado, e com uma tarefa a ser realizada!


3. O começo da Reforma Íntima

Enfim, mudar a maneira de ver a vida é começar a Reforma Íntima. Mas, foi apenas um passo no sentido do crescimento. É preciso mais! É possível ter modificado automaticamente, pela aquisição do novo conhecimento, a visão de mundo que se possuía. Mas isso não é tudo.

Agora, enxerga-se a realidade de um novo ângulo. Mesmo assim, permanecem os condicionamentos antigos, hábitos, vícios, que se mantêm apesar da mudança e requerem esforço para a total transformação. Por isso, Kardec fala, além da transformação moral (plano da idéia), do “esforço” em domar as más inclinações (plano da ação).


4. A recusa em fazer a Reforma Íntima

Na verdade, pelo fato de haver nascido, independente de conhecer ou não espiritismo, todo mundo vai realizar a Reforma Íntima. Foi para isso que encarnamos. A vida nos lança convites para realizá-la de maneira consciente. O espiritismo é um destes convites. Mas podia ser o catolicismo, o protestantismo, o budismo, o hinduísmo, e podia até ser uma filosofia, uma escola não religiosa, um compromisso ético, até mesmo uma escolha profissional, a nos propor mudar conscientemente para melhor.

Entretanto, somos livres para aceitar ou não o convite. Em não aceitando, não importa, a vida nos colocará em situações que nos obrigarão a realizar a Reforma Íntima. É o caso de algumas doenças, perdas, separações.

Não parece a aplicação daquela parábola do convite para o festim das bodas, que Jesus ensinou? Um rei convida muitos para as bodas do filho, mas nenhum dos convidados aceita; ele convida de novo, e alguns chegam a matar os enviados que levam os convites. Enfim, o rei convida mais pessoas e manda destruir os que recusaram o convite.

Pois bem, esta a vida. Um eterno convite à mudança. Se não por bem, por mal. E assim, por conta das circunstâncias adversas a gente vai mudando, mudando e, consequentemente, amadurecendo. Alguns passam ainda pela amargura, pela descrença, a revolta, a desesperança. Vão ao fundo do poço. Mas um dia saem de lá, pois há uma eternidade esperando-os. Uma festa de bodas. O casamento de nossas polaridades, o equilíbrio, o caminho do meio. Cedo ou tarde todos nos “iluminamos”. Todos realizamos a Reforma Íntima!


5. A continuação da Reforma Íntima

Mas, acreditando que prefiramos mudar pelo amor, sem precisar doer tanto, o que deve ser feito? Se aceitamos o convite para as bodas, como devemos nos vestir? Na parábola, os conviaddos chegam e a festa acontece, mas quem não está com a veste adequada é expulso.

Na prática, significa que não basta aquele primeiro momento, da mudança paradigmática. É preciso ir além. Vestir a veste, ou seja, viver de acordo com a nova visão de mundo. Viver congruente com sua crença, no nosso caso, com os princípios espíritas. Estar de acordo com a ocasião, como sugere Jesus no seu ensinamento.

E uma vida de acordo com o espiritismo é idêntica a uma vida cristã. Uma vida pautada no bem, na caridade, no perdão, da tolerância, na compreensão, no estudo etc. Como se deduz desta lista de virtudes, não é fácil. Mas o que vale é o esforço!
Em “O Livro dos Espíritos”, na questão 919-a, Santo Agostinho nos dá um passo-a-passo interessante, como sugestão para auxiliar a Reforma Íntima, que podemos sintetizar da seguinte maneira:


1. Pedindo ajuda a Deus ou seu Anjo Guardião, reveja diariamente o que fez.

É uma prática fácil de ser realizada. Podemos fazer como sugere Agostinho, antes de dormir. Creio que sentado seja melhor, para evitar o sono. Pode-se inclusive anotar. Algumas pessoas fazem diários. Não precisa anotar tudo, mas o que se destacou naquele dia. Quando diz que é preciso pedir ajuda a Deus ou ao Anjo Guardião, Agostinho sugere que este deve ser um processo profundo, solitário, concentrado.

2. Pergunte a si mesmo se deu motivo para queixas.

Esta parte é interessantíssima. É o processo de conscientização. Não um simples registro do que fiz, mas dos efeitos do que fiz, do alcance de minhas ações.

3. Pergunte a si mesmo os reais motivos de suas ações.

Por vezes vou reconhecer que dei motivos para queixas, mas não significa que agi mal. É hora de refletir sobre as reais intenções. O que havia por detrás do meu gesto. Frequentemente encombrimos nossas ações reprováveis com boas intenções. Dizemos, por exemplo: “Fui duro com minha esposa, disse-lhe palavras duars, mas para seu próprio bem. Ela precisava ouvir isso de alguém que realmente se preocupa com ela!” Pode até ser que a boa intenção exista, mas uma investigação profunda, sincera e corajosa (é preciso coragem para ser sincero!) vai revelar se, por trás desta boa vontade, não existia o desejo de ferir, de vingar-se. É por este desejo inconsciente que, muitas vezes, os outros não recebem bem nossas “boas intenções”. Nossa boca pode não falar, mas o fluido que movemos chega até o outro insuflando a revolta e a reação violenta.

4. Pergunte a si mesmo se censuraria no outro o que fez, ou se fez algo que não ousaria confessar.

Eis uma excelente dica! Desta forma vamos ter uma idéia mais clara de nossas atitudes e prevenir escorregões em velhos padrões de comportamento.

5. Reflita se você morresse hoje, que pendências deixaria, o que teria a temer.

Don Juan, xamã das obras de Carlos Castañeda, chama isso de tomar a morte como conselheira. Trata-se de uma excelente forma de tomar consciência de como se está vivendo. De procurar questões inacabadas para resolvê-las quanto antes e não atravessar os umbrais do Além com o coração oprimido por remorsos. A tranquilidade nasce da consciência do dever cumprido.

Estas as orientações de Agostinho, via mediúnica, para quem deseja continuar seu processo de Reforma Íntima de maneira consciente e aproveitar melhor a vida. Mas ninguém se iluda, jamais poderá afirmar que fez a Reforma Íntima, conjugando o verbo no passado, pois este é um processo que jamais termina, visto que sempre há algo a melhorar. Este é mesmo o ritmo da vida, a mudança constante, na linguagem budista: a impermanência. Estagnação seria morte e sabemos que morte não existe. O que existe é transformação!

Então, que todos vivam em paz, mudando sempre!



Dificuldades na casa Espírita


Uma das coisas mais complexas no cotidiano de uma Casa Espírita é administrar as diferenças comportamentais entre os trabalhadores. Aqui e ali, por um motivo ou por outro, pipocam os atritos e melindres, muitas vezes encobertos pelo silêncio em nome da “caridade”mas evidentes nos olhares atravessados, nos recadinhos indiretos e, não raro, no afastamento inexplicável daquele companheiro que parecia tão entusiasmado... Quando chega a este ponto é que a guerra de persona já atingiu o seu ponto máximo.
Não desanimemos. Onde há gente há problema. Graças a Deus!... Porque conviver significa oportunidade impar de crescimento. É preciso apenas saber identificar, respeitar e integrar as diferenças, repensando o conceito ilusório de que para figurar no seleto rol dos “escolhidos”, todos têm que estar aptos e disponíveis, todo o tempo, a todo o tipo de tarefa na Casa Espírita. Esteriótipos solapam a autenticidade e favorecem a hipocrisia.

Somos diferentes e isso obedece a um propósito Divino. Aquilo que é fácil pra mim já não é para o outro e vice-versa. Sabemos que é a diversidade das flores que confere harmonia e beleza a um jardim, porém tudo passa pelo paisagista, que traçou canteiros, combinou cores e formas, considerando, sobretudo, os níveis de resistência e fragilidade de cada planta para então dispor a sua localização. Também na Casa Espírita pessoas com personalidade, maturidade e aptidões diversas podem conviver harmonicamente em sua diversidade, mas o “paisagismo” cabe aos dirigentes.
Pensemos em nossos grupos. Sempre encontraremos neles um trabalhador tipo “pau pra toda obra.” Dinâmico e disponível, este irmão é perfeito para tarefas práticas. Mas não o chame para reuniões de planejamento porque ou não vai comparecer ou vai cochilar.
Já o tipo“certinho”é racional, organizado e faz questão de tudo “preto no branco”. Quem melhor para a administração? Afinal, formalizar e controlar é com ele mesmo.
Tem também o“artista”. Afeito ao lúdico, ele não dispensa a música, o teatro e outras manifestações de arte em tudo o que faz. Sua sensibilidade enche as reuniões comemorativas daquela emoção e entusiasmo tão necessários para levantar o ânimo. Ideal para trabalhar com jovens e crianças, este companheiro sacode a mesmice, motiva a equipe e estimula como ninguém a integração fraterna.
Temos ainda o introspectivo, o extrovertido, o afoito, o ponderado, o questionador, o acomodado, o “modernoso”, o conservador e por aí vai. E quem de nós se aventuraria a discorrer sobre a maior ou menor importância desse ou daquele trabalhador, conforme os perfis aqui relacionados?
Na verdade, todos são insubstituíveis e indispensáveis em suas peculiaridades porque - enquanto não conseguimos ser perfeitos – o segredo é nos valer das próprias imperfeições para potencializar o trabalho. Enquanto uns sonham outros ponderam, uns planejam outros concretizam, uns organizam outros adornam. E lá vamos nós. Lidando com as diferenças e garantindo a continuidade da obra. Enquanto isso vai se aprendendo a ceder, a ser voto vencido, a discordar sem “rosnar” e tantos outros exercícios de reforma íntima.
Ninguém espere mar de rosas. Impossível não haver conflito onde existe diversidade. Aqui é aquele companheiro veterano que rejeita as sugestões dos recém-chegados porque se julga o detentor absoluto da experiência; Ali é outro que chega querendo mudar tudo, desconsiderando aqueles que ali já estavam muito antes da sua chegada, construindo o que ele encontrou; Acolá é aquele que quer colocar o mundo dentro da Casa Espírita; Mais além é aquele outro que quer tirar a Casa Espírita do mundo... E outros tantos desafios.
Cabe às lideranças observar, intervir e pacificar. Administrando conflitos prevenimos cisões, pois as relações são a viga mestra dos grupos e quando abaladas tudo vem abaixo.
Uma forma eficaz de prevenir é realizar constantes avaliações das atividades. Mas avaliar não é colocar os companheiros no paredão. Avaliar é reunir a equipe periodicamente para analisar o que está sendo feito, em clima de leveza e fraternidade, discutindo dificuldades e possibilidades com vistas a manter ou corrigir a rota onde for preciso.
 Mas é também imprescindível repensar as decisões de cima para baixo. Não raro a diretoria decide e os demais trabalhadores executam, sem que de alguma forma tenham sido consultados enquanto elementos fundamentais para as realizações. Questionar nem pensar, sob pena de inclusão imediata no tratamento de desobsessão, diante da afirmativa paternalista que “– o nosso irmão está precisando muito de preces”... Esta é a impiedosa pena de descrédito “caridosamente” imputada àqueles que ousam “subverter” a ordem vigente. Estrategicamente, neutraliza-se a ovelha rebelde para apascentar o rebanho.
Diante disso a gente se pergunta: Quando é que nós espíritas vamos conseguir distinguir autoridade de autoritarismo? Quando é que vamos deixar de medir o valor dos companheiros pelos cargos que ocupam ou pelos títulos que ostentam? Quando é que vamos parar, enquanto dirigentes, de usar os trabalhadores por mão de obra passiva para projetos personalistas? Quando deixaremos de tomar questionamentos legítimos como “influência de obsessores”? É urgente abandonar tais heranças reacionárias do passado e avançar para a postura ética e fraterna que se espera de uma liderança espírita.
Um verdadeiro líder busca sempre o entendimento amoroso - em nível individual ou coletivo – quando os problemas surgem. Em momentos de crise não silencia, nem impõe, dialoga. Omissão por medo de provocar ruptura é um equívoco. Se não criamos coragem de intervir junto aos conflitos, contribuiremos para que se avolumem. Quando menos se espera, lá estão eles, substituindo o saudável prazer de estar junto pela obrigação do compromisso assumido “do lado de lá”, esvaziando grupos e corações.
Liderança é responsabilidade. É ter claro o papel que nos compete como mediadores e aglutinadores; Como irmãos de caminhada e não como “donos das almas” ou “da causa”, porque senão, à menor contrariedade, vamos ser os primeiros a fazer as malas e sair por aí atrás do utópico grupo ideal e - o que é mais grave - arrastando conosco ou deixando para trás “seguidores” divididos e desnorteados.
As chances de acertar são infinitamente maiores quando nos dispomos a exercitar esse tal amor, que não é algo tão longínquo assim; Que começa pela valorização dos pontos positivos do outro, em detrimento dos negativos que possa ter; Pelo exercício da tolerância, não por amarmos todos de forma igual - porque isso não acontece nesse estágio em que nos encontramos - mas por reconhecer em nós muitas mazelas a serem toleradas. 
Se não buscarmos nutrir pelos companheiros esse amor possível, continuaremos a brincar de espírita bonzinho e, no fundo, só nos aturando, assim como qualquer profissional no seu ambiente de trabalho. Mas se existir afeto, a gente cede aqui, cede ali ou não cede -porque existem coisas que não dá para transigir -  mas diz o que tem que dizer de forma firme, porém cuidadosa e assim, lembrando Jesus, vamos conversando com o nosso irmão em reservado “e se ele vos entender”- diz o Mestre - ”então tereis ganho o vosso irmão”.
Difícil?... Mas quem foi que disse que é fácil evoluir?... E que se evolui sem conviver?
Pensemos nisto.  

Joana Abranches

Perante os hipócritas


DAVILSON SILVA
davsilva.sp@gmail.com
São Paulo, SP (Brasil)
 
Será que devemos nos omitir ante o erro da hipocrisia? Será que neste mundo, por não ser perfeito, o homem não pode se queixar de alguém? O que dizem os Espíritos a esse respeito, à luz da sua Doutrina, sabedores de que Jesus recomendara o “não julgueis a fim de que não sejais julgados
? Disse ainda aos escribas e fariseus: “Aquele que não tiver pecado, que atire a primeira pedra, quando do episódio da mulher adúltera (João, 8:3-11). (1) 

Graças aos Espíritos, podemos entender o que quis dizer Jesus nas mencionadas frases, do seguinte modo: ao nos queixarmos do próximo, ao difundir suas falhas, impomos a nós próprios o dever de nos mostrarmos e nos mantermos condignos do mérito que julgamos possuir. Quem aponta os defeitos de alguém tem de necessariamente possuir mais virtudes que ele, embora neste mundo seja difícil alguém possuir todas as qualidades morais no mais alto grau da escala de valores espirituais. 

É claro! Nosso planeta, como todo espírita sabe, não passa de um sítio de provas e expiações que, segundo o Amigo Espiritual, Irmão Tupinambá, um dos Mentores da nossa Casa, a Feap (Fraternidade Espírita Aurora da Paz), “é um imenso hospital onde um enfermo costuma criticar a doença do outro”... Entendam-se aqui por enfermos os doentes da alma. Doentes não são só aqueles que sofrem dos males do corpo físico, e uma das maiores doenças daqui é a de não só ver as falhas alheias, mas a de torná-las públicas pelo simples prazer de divulgá-las; é a conhecida fofocagem, ou intriga, ou bisbilhotice que costuma denegrir reputações. 

Um grande defeito  

No décimo capítulo de O Evangelho segundo o Espiritismo,  item 10, lê-se: “Um dos defeitos da Humanidade é ver o mal de outrem antes de vê-lo em nós”. “Para julgar-se a si mesmo, seria preciso poder olhar-se num espelho, transportar-se de alguma forma, para fora de si, e se considerar como uma outra pessoa, perguntando-se: Que pensaria eu se visse alguém fazer o que faço?”, comentou  Allan Kardec. 

É... Mas, às vezes, temos mesmo obrigação de apontar a falta alheia. Consultando ainda este guia seguro, O Evangelho, encontramos uma  outra  mensagem,  a  do  Espírito  São  Luís,  no mesmo capítulo, item 19. Diz S. Luís que todos temos o direito de repreender o próximo, uma vez que cada um deve trabalhar para o progresso coletivo; no entanto, afirma: “Repreender com moderação, com um fim útil, e não como se faz, geralmente, pelo gosto de denegrir”. Conforme o Mentor de Kardec, deve-se corrigir o mal no próximo, mas com bastante prudência, objetivando ajudar para não acarretar prejuízos a terceiros. Devemos repreender, mas com moderação, de acordo com o Mentor.

Então é um dever desmascarar o hipócrita antes que possa causar danos a muitos? Sim! O espírita sincero jamais contemporizará com a manifestação das falsas virtudes, exercendo ele próprio o decoro em quaisquer momentos da sua vida, honrando compromissos com os seus irmãos e, principalmente, com aqueles mais próximos, consoante ensinamentos de Jesus.  
O Mestre não transigiu em tempo algum com a hipocrisia. A prova é tanta que usou de todo o rigor com os escribas e fariseus, considerando-os modelo de hipócritas. (2) Apesar disso, Jesus foi indulgente com as “pessoas de má vida, com o “bom ladrão, especialmente com aqueles que O insultaram, condenaram na cruz, dando a entender que ser hipócrita é pior que ser criminoso, que ser adúltero.  

Somente para os outros 

Hipócritas mostram-se, em geral, afáveis, com voz macia, parecendo evoluídos, capazes de transmitir grandes ensinamentos de púlpito para os seus iludidos circunstantes. São adeptos daquele conhecido princípio: “Faze o que eu mando, mas não faças o que eu faço, quer dizer, perdão, fraternidade, igualdade, caridade, humildade e decência são somente para outros... Sim, suas pretensões os enceguecem de uma forma tal que, no momento em que levantam a voz, transformam-se em talentosos atores ou atrizes, a ponto de representarem um personagem imaculado, de uma impressionante e comovente dramaticidade.  

Dividamos agora os hipócritas em duas categorias. Dividamo-los em duas categorias distintas: (a) hipócritas-egoístas; (b) hipócritas-vaidosos. Os da categoria a, os egoístas, são uma espécie de impostor que “gosta de levar vantagem em tudo”, aproveitam-se da sua farsa para satisfazer seus egoísticos interesses mundanos. Os da categoria b, isto é, os vaidosos, são aqueles que desejam mais, a qualquer custo, merecer a admiração de todos, o destaque, o brilho, tendo todo o cuidado de aparentar desinteresse, modéstia. 

Não é fácil desmascarar estes últimos. Diferentes dos da categoria que, se descobertos, não dão a mínima para o que pensem deles, estes últimos, ocultos atrás da máscara da pseudomodéstia, fazem-se de vítima. Só pessoas de uma certa maturidade do senso moral é que têm mais facilidade de entender-lhes os propósitos, de divisar-lhes a arrogância maquiada de simplicidade. Pois é, os dessa categoria são os hipócritas dos hipócritas, os mais difíceis de acusar o fundo das intenções. Ao  contrário dos da categoria a, se revelados, não poupam esforços para revertério de um quadro desfavorável como se o destino os tivesse feito sucumbir a uma grande e injusta tragédia. (Esta categoria, de algum modo, tem muito a ver com os antigos escribas e fariseus, os que tinham Jesus por inimigo.)

Vale ressaltar, no entanto, que tais qualidades podem até se resumir em uma ou em outra categoria, sendo ambas as espécies de hipócritas por demais parecidas. Esforçando-se por realizar obras benemerentes, eles têm boas palavras, frases que impressionam para que os outros pensem que são realmente bonzinhos, caridosos, justos e acima de qualquer suspeita. No íntimo, num ou noutro caso, eles sempre ambicionam algo... Os hipócritas não passam de pessoas sem nenhuma seriedade e, de contínuo, não têm palavra, é claro, como todo bom impostor que se preze. Ainda que ajudem asilos, hospitais, os pobres com a cesta básica, o agasalho, a cadeira de rodas, o enxoval de bebê da mãe solteira etc., no fundo, vivem de uma impostura. 

Concluindo: temos de combater o mal, sim, sem, contudo, oprimir, esmagar quem o pratica, caso contrário estaremos automaticamente a incorrer em contradição. O bom senso manda admoestar sem difamar para não expandir sentimentos de vingança, mesmo que alguém tenha feito por onde. Hipócritas de qualquer setor humano, sobretudo o religioso, podem iludir os homens; todavia, jamais a Deus que tudo vê e sabe o que se passa no fundo do coração de cada um de nós. É pela árvore que se conhece os frutos...

Notas:
(1) Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, 62. ed. São Paulo, Lake  Livraria Allan Kardec Editora, 2001, capítulo 10, item 11 a 13.

(2) Do jeito como andam as coisas no âmbito das religiões e seitas ocidentais, é muito provável que, se Jesus voltasse mesmo ao mundo como esperam escribas, fariseus e saduceus de hoje que, por ironia do destino, se intitularam “cristãos”, com certeza, Ele seria muito mais severo.

Hipocrisia em Charge

Jesus pregava contra a hipocrisia e intolerância




Jesus foi um homem simples do povo, um jovem carpinteiro, que nasceu dentro do judaísmo a cerca de 2 mil anos atrás. Foi criado e educado nas leis religiosas e costumes de seu povo; aprendeu a ler na sinagoga e certamente decorou os textos sagrados, como toda criança e todo jovem de seu tempo. Mas, diante do que tinha aprendido, observou que a religião não mudava as pessoas, porque estas não se esforçavam por seguir-lhe os preceitos morais. Pelo contrário, frequentemente, seus líderes e os religiosos praticantes eram também os mais hipócritas; usavam de prática religiosa pra se justificarem perante a sociedade e perante a si mesmos, quando não, para tirarem proveito próprio, como até hoje acontece. Por isso, o jovem carpinteiro de Nazaré, quando resolveu sair para ensinar, a exemplo dos mestres de seu tempo, mostrou-se profundamente indignado com a conduta moral das pessoas, e não deu o valor costumeiro às velhas práticas místicas. Ele próprio, como judeu, pertencia à religião dos pais, mas não se deteve nisso: sua concepção de religião era outra. Assim, preferiu estabelecer uma relação significativa entre a religião e a vida, valorizando a conduta humana(a religiosidade = a ação) e não as fórmulas consagradas dos cultos(a adoração). Seu princípio máximo foi o “amor ao próximo” (prática do bem) e não a adoração convertida em rituais cerimoniosos, como faziam os fariseus, que viviam pregando as escrituras e cantando louvores em praça pública. Deus deveria ser adorado “Em Espírito e Verdade” e não desta ou daquela forma, neste ou naquele lugar, conforme revelou à mulher samaritana.
Adoradores devotados eram os fariseus, religiosos por excelência, que viviam nas ruas proferindo sermões com palavras bonitas e envolventes, louvando a Deus, conclamando o povo aos ofícios sagrados e determinando como devia ser a vida das pessoas. No entanto, a vida particular desses homens era geralmente marcada por atitudes comprometedoras, que se chocavam com os mais elementares princípios de moral e respeito humano. Por isso, foram eles que Jesus mais combateu, tomando-os por modelos de hipocrisia e falsidade(túmulos caiados, limpos por fora e cheios de podridão por dentro), ao passo que, em contrapartida, Jesus elevou os que eram rebaixados e desprezados, como os samaritanos, considerados hereges; defendeu a meretriz, compreendeu a mulher adúltera e preferiu os pobres, os sofredores e os deserdados às pessoas socialmente prestigiadas e ricas, combatendo toda sorte de preconceito ou de falso pudor, frequentemente cultivado pela sociedade, como ainda acontece em nossos dias.
Na escola de Jesus o que valia eram os sentimentos e os atos das pessoas. Por isso, o samaritano da parábola é o modelo do homem bom, caridoso, que socorreu o ferido sem sequer perguntar-lhe o nome, a origem ou a religião, e não os religiosos que fugiram ao compromisso moral da caridade, pensando apenas e tão somente em si próprios, na sua comodidade, no seu bem estar.
O amor, posto em ação, resume toda a doutrina de Jesus e é o mais elevado conceito de moral que o ser humano pode conceber em toda a sua história.
Esta é a visão que o Espiritismo tem de Jesus e esta é a interpretação que dá à sua missão na Terra, trazida para mostrar ao homem o único caminho da felicidade individual ou coletiva.
Quando cada ser humano se compenetrar desta verdade e promover sua reforma íntima, a Humanidade inteira estará reformada e o Reino do Céu se instalará na Terra. E, através da luta na direção do bem, cada um de nós - não apenas o que tem essa ou aquela crença - atingirá a perfeição dos Espíritos Puros, irmanando-se ao Cristo e integrando-se ao Pai. Eis o caminho para a salvação da Humanidade, ou seja, para a transformação moral do mundo, a fim de que “os mansos herdem a Terra”. Os bons, um dia, governarão este mundo!...
Creio ser essa uma salvação muito mais justa do que aquela só para um certo número de eleitos com uma crença subjetiva, sem resultados práticos. E como ficariam os judeus, muçulmanos, budistas... ?
Deus não faz acepção de pessoas, mas lhe é agradável a todo aquele que, em qualquer nação (note que não precisa ser "cristão", não), o teme e obra o que é justo (Atos, 10:34 e 35)
Homens como Chico Xavier e Gandhi se dedicaram ao próximo mais do que muitos que seguem os dogmas das igrejas. Estariam eles condenados, mesmo com tanta fé e amor, só por não seguirem a crença de que o sangue de Jesus, o próprio Deus encarnado, liberta o homem de todo o seu pecado? Se a resposta é sim, respondam se acham justo?? Que Deus é esse?? Ora, colocar os dogmas, o apego as escrituras sagradas, como mais importante do que as nossas atitudes, era justamente o que faziam os fariseus, tão combatidos por Jesus. Seu ensino na parábola do bom samaritano foi justamente contra essa atitude de intolerância e hipocrisia, que vemos em muitos hoje que se dizem "cristãos".

Uma senhora conhecida minha, que já faleceu, foi espírita a vida toda, mas tinha um filho evangélico. Quando ela estava no hospital quase morrendo, o filho e amigos ficaram incomodando a pobre coitada, insistindo para que ela se convertesse, já no final de sua vida. Depois, no cemitério, não deixaram que os espíritas nem se aproximassem do enterro. Acham que essa atitude intolerante para com o próximo é cristã? Ou uma atitude arrogante e intolerante dos que se julgam certos de que estão "salvos", apenas porque "acreditam em Jesus" e que o resto vai pro "fogo do inferno" só por não ser da mesma religião ? Ora, não basta dizer apenas "Senhor, Senhor", já dissera o Mestre. Devemos colocar sua palavra em prática. E a salvação é para todos os justos, não para os que crêem nisso ou naquilo. Esse comportamento de certos "cristãos" não lembra o dos fariseus, se apegando mais as escrituras, aos dogmas, do que ao amor ensinado e exemplificado por Jesus? Não foi justamente esse comportamento que ele criticou em ensinos como a parábola do bom samaritano?

E mais disse Jesus:

"Propôs Jesus esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, como se fossem justos, e desprezavam os outros:
Subiram dois homens ao templo para orar: um fariseu, e outro publicano. O fariseu orava de pé, e dizia assim: graças te dou, o meu Deus, por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros. E não ser também como é aquele publicano. Eu, por mim, jejuo duas vezes por semana e pago o dizimo de tudo quanto possuo. Apartado a um canto, o publicano nem sequer ousava erguer os olhos para o céu; batia no peito e exclamava: Meu Deus, apiedai-vos de mim, pecador. Digo-vos, acrescentou Jesus, que este voltou justificado para sua casa, e o outro não, porque todo aquele que se exalta será humilhado, e todo aquele que se humilha será exaltado" (Lucas, 18:9-14)
Outro ensino claro quanto a hipocrisia e intolerância: "Os publicanos e prostitutas entrarão primeiro que vós, fariseus hipócritas, no Reino de Deus" (Mateus 21:31)
Meu pai, que freqüenta a colônia de hansenianos de Curupaiti com outros espíritas, já me disse sobre isso que Américo Domingos também relata no livro Porque Sou Espírita: "Maravilhoso é visitar uma colônia de hansenianos e observar grupos de espíritas, empenhados na tarefa assistencial aos que lá se encontram, distribuindo, concomitantemente com um sorriso nos lábios, bens alimentícios, roupas, produtos de higiene e sapatos. Aos incapacitados, dando na boca a sopa deliciosa e apetitosa que preparam com o devido carinho.
Importante ressaltar que todas as tarefas são realizadas após uma rápida reunião de congraçamento em torno de uma passagem reconfortante do Evangelho e de uma fervorosa oração.
Certa feita, visitando a Colônia de hansenianos de Curupaiti, observei um interno, cabisbaixo, bem abatido, portador de deformidades marcantes (não possuía os membros inferiores, as mãos desprovidas de dedos, a face desfigurada e sem expressão devido à cegueira). Logo que o interpelei e lhe dei alguns petiscos, sorriu e me interrougou se eu era espírita. Imediatamente o questionei: - Por que me pergunta isso?
Ele prontamente respondeu-me: "-Só os espíritas fazem o que você está fazendo. Vocês são humanos, conversam comigo e me perguntam se estou precisando de alguma coisa."
Então, indaguei a respeito da visita de simpatizantes de outros credos religiosos. Imediatamente, afirmou que raramente grupos católicos para lá se dirigiam e quanto aos que se diziam evangélicos, pediam dinheiro para suas igrejas, e insistiam na prática da unção (passar 'óleo benzido' na testa da pessoa)
Constatei mais uma vez a importância da minha religião e lembrei-me das palavras amorosas de Jesus: 'Estava enfermo e tu me visitastes' (Mateus 25:36)
É verdadeiramente um 'fato prodigioso' saber que pessoas, em nome do Cristo, sem nenhum interesse pecuniário, sacrificam seus momentos de prazer ou mesmo de repouso em favor do próximo, que pode estar acamado em um leito de dor, recluso em uma prisão, vivendo em um asilo ou internato, ou mesmo abandonado em uma via pública.




O Mestre ensinou que eleitos são aqueles que praticam a fraternidade, pondo o amor em ação: 'Vinde, benditos do meu pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Por que tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era forasteiro e me hospedastes; estava nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; preso e fostes ver-me' (Mateus 25:34-36)
Para mim, é uma das mais significativas passagens do Evangelho, desde que Jesus não alude ao seu sacrifício na cruz, nem faz menção a qualquer religião. Reafirma que 'sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes' (Mateus 25:40)"
Não quero dizer com isso que os espíritas são todos bonzinhos e os evangélicos não prestam, mas, como diz Américo, mostrar a importância de nossa Religião, tão criticada como "coisa do diabo". Quis mostrar a que leva por um lado a crença na importância da reforma intima, através dos ensinos do Cristo, e, por um outro lado, a crença de que a salvação já está certa para aqueles que bastaram se batizar e acreditar que Jesus morreu por nós como o Deus encarnado. Insistem que basta "crer" (dentro daquilo que entendem como crer em Jesus), para se transformarem, para "nascerem de novo", para se tornarem novos homens. Mas o que vemos no dia a dia é que, infelizmente, essa crença só leva ao orgulho pela própria salvação e ao desprezo por quem tem outra crença. Vemos o esquecimento do verdadeiro amor ao próximo tão ensinado e exemplificado pelo Cristo, enquanto há a insistência em converter até enfermos, como nos casos acima, e até tribos indígenas.
Vejam as palavras de Gilberto Freyre em um artigo do "Jornal do Comércio", Recife, 15 de março de 1981:
"Fui ainda, por uns curtos meses, nos Estados Unidos, protestante, pensando até em ser missionário, não sabia onde, talvez entre os índios do Brasil. Mas, repito, só por curtos meses. O que vi de sadismo no tratamento dos negros pelos protestantes brancos - quase assisti a um linchamento, dos então comuns - a rígida divisão, nas próprias igrejas, entre brancos e negros, desencantou-me com o Protestantismo"
O professor Rubem Alves no seu livro "Protestantismo e Repressão" (Ed. Ática, 1979) ilustrou muito bem o estado de espírito dominante nas congregações evangélicas. Para uma breve idéia do conteúdo da obra, transcrevemos primeiro um trecho da análise de Renato Pompeu na revista "Veja" de 10-10-79: "O caminho da conversão até a lei rigorosamente examinado, em sua lógica de ferro, na maior parte do livro. Fica claro, por exemplo, que o protestantismo, pelo menos o analisado por Alves, se baseia num equívoco. O livre exame, por exemplo, não existe. Tal como o católico, que, na análise da Bíblia deve seguir uma autoridade - por exemplo, um papa infalível - o protestante também não é livre para interpretar as Escrituras. Ele deve seguir o que se chama de "confissões", interpretações elaboradas por pessoas consideradas entendidas do assunto. Só podem ser aceitas as "confissões" aprovadas pelos poderes dominantes na comunidade protestante, ou seja, a fé passa a ser uma questão de poder.
Também o progressismo sócio-político do protestantismo é posto em xeque por Alves, já que as comunidades protestantes julgam mais importante salvar os indivíduos que mudar as estruturas sociais - o que as torna um baluarte do conservadorismo e mesmo reacionarismo"


E agora um pequeno trecho do livro:
"O que está em jogo na experiência da conversão não são os ensinos do Cristo. O converso não é alguém que abandonou uma filosofia de vida e uma ética para abraçar a filosofia e a ética de Jesus. Se assim fosse, ele deveria ter idéias muito claras acerca da nova filosofia e da nova ética que está abraçando. Mas, como indicamos, a experiência da conversão não se caracteriza por clareza de idéias, mas pela intensidade das emoções. Ninguém se converte aos ensinos do Cristo, seja o mandamento do amor, a lei áurea, o sermão do monte, a despreocupação frente ao futuro, o perdão dos inimigos, (...) Na conversão importa quem foi Jesus Cristo, e não o que ensinou Jesus Cristo" (página 68)



Sempre bom lembrar as palavras do Cristo:
Guardai-vos dos falsos profetas que vêm ter convosco cobertos de peles de ovelha e que por dentro são lobos rapaces. - Conhecê-lo-eis pelos seus frutos. Podem colher-se uvas nos espinheiros ou figos nas sarças? - Assim, toda árvore boa produz bons frutos e toda árvore má produz maus frutos. - Uma árvore boa não pode produzir frutos maus e uma árvore má não pode produzir frutos bons. - Toda árvore que não produz bons frutos será cortada e lançada ao fogo. - Conhecê-la-eis, pois, pelos seus frutos. " (Mateus 7:15-20)
Já encontrei na Internet católicos e evangélicos que até não aceitavam chamar os espíritas de irmãos, pois não merecemos segundo eles ser considerados filhos de Deus. Mas o que é necessário para sermos merecidamente chamados de filhos de Deus? Basta citar trechos e mais trechos da escritura e ser como os fariseus hipócritas, sepulcros caiados, intolerantes que desprezam os outros, como o fariseu da parábola do fariseu e publicano? Basta dizer "Senhor, Senhor" ?
Não!! Disse Jesus:
9 Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.(Mateus 5:9)


44 Eu, porém, vos digo: amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem;
45 para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque
ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos
e injustos.
46 Pois, se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? não fazem
os publicanos também o mesmo? (Mateus 5:44-46)

48 Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial. (Mates 5:48)

O CINISMO, A HIPOCRISIA E A ESSÊNCIA HUMANA


Euzebio Raimundo da Silva

Trago para mais uma discussão um tema muito importante para as nossas reflexões. A questão do cinismo, hipocrisia e essência humana em nossa sociedade. Apresento algumas considerações que nós Espíritas devemos conhecer tendo em vista que é um assunto atual, no qual inclusive servirá de base para uma palestra que farei na X Semana de Direitos Humanos que acontecerá na Universidade Federal do Recôncavo na Cidade de Cachoeira-Bahia. Reflitamos:
O Cinismo foi uma corrente filosófica fundada por um discípulo de Sócrates, chamado Antístenes, e cujo maior nome foi Diógenes de Sínope, por volta de 400 a.C., que pregava essencialmente o desapego aos bens materiais e externos.
O termo passou à posteridade como caraterização pejorativa de pessoas sem pudor, indiferentes ao sofrimento alheio (que em nada se assemelha a origem filosófica da palavra).  Supostamente, o pensamento cínico teve origem numa passagem da vida de Sócrates: estando este a passar pelo mercado de Atenas, teria exarado o comentário:
   “VEJAM DE QUANTAS COISAS PRECISA O ATENIENSE PARA VIVER”
    Ao mesmo tempo demonstrava que de nada daquilo dependia. De fato, o que o filósofo propunha era a busca interna da felicidade, que não tem causas externas — aspecto ao qual os cínicos passaram a defender, não somente com palavras, mas pelo modo de vida adotado.
Ao contrário da acepção moderna e vulgar da palavra para o cinismo, o objetivo essencial da vida era a conquista da virtude moral, que somente seria obtida eliminando-se da vontade todo o supérfluo, tudo aquilo que fosse exterior. Defendiam um retorno à vida da natureza, errante e instintiva, como a dos cães.
Afirmavam que dispunha o homem de tudo que necessitava para viver, independente dos bens materiais. A isto chamavam de Autarcia (ou a variante, porém com outra acepção mais difundida, Autarquia) - condição de auto-suficiência do sábio, a quem basta ser virtuoso para ser feliz. O termo grego original é autárkeia - significando auto-suficiência.
Sua filosofia partia do princípio de que a felicidade não depende de nada externo à própria pessoa, ou seja, coisas materiais, reconhecimento alheio e mesmo a preocupação com a saúde, o sofrimento e a morte, nada disso pode trazer a felicidade. Segundo os Cínicos, é justamente a libertação de todas essas coisas que pode trazer a felicidade que, uma vez obtida, nunca mais poderia ser perdida.
A hipocrisia é o ato de fingir ter crenças, virtudes, ideias e sentimentos que a pessoa na verdade não possui. A palavra deriva do latim hypocrisis e do grego hupokrisis ambos significando a representação de um ator, atuação, fingimento (no sentido artístico). Essa palavra passou, mais tarde, a designar moralmente pessoas que representam, que fingem comportamentos Um exemplo clássico de ato hipócrita é denunciar alguém por realizar alguma ação enquanto realiza a mesma ação.
O cientista cognitivo Keith Stanovich fez uma carreira do estudo da hipocrisia. Ele a vê como surgindo da incompatibilidade de tais coisas como o interesse próprio e os desejos com crenças de ordem mais alta na moralidade e na virtude.

As únicas pessoas que não são hipócritas são a minúscula e talvez não-existente minoria que é tão santa que nunca se entregam a seus instintos mais básicos e o grupo maior que nunca tenta viver segundo os princípios da moralidade ou virtude. Ele dessa forma defende que os hipócritas são na verdade a classe mais nobre das pessoas.
François duc de la Rochefoucauld revelou, de maneira mordaz, a essência do comportamento hipócrita: "A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude". Ou seja, todo hipócrita finge emular comportamentos corretos, virtuosos, socialmente aceitos.
Hipocrisia é pretensão ou fingimento de ser o que não é. Hipócrita é uma transcrição do vocábulo grego "hypochrités". Os atores gregos usavam máscaras de acordo com o papel que representavam numa peça teatral. É daí que o termo hipócrita designa alguém que oculta a realidade atrás de uma máscara de aparência.
O Evangelho de Mateus capítulo 23, versículos 13 a 15:
  " Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que fechais aos homens o reino dos céus; e nem vós entrais nem deixais entrar aos que estão entrando. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que devorais as casas das viúvas, sob pretexto de prolongadas orações; por isso sofrereis mais rigoroso juízo. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós.”
No que concerne a essência humana, Até Marx todas as ontologias tinham que ser conservadoras porque partiam de uma concepção da essência humana enquanto eterna historicamente imutável. A partir de Marx a essência humana é o conjunto das relações sociais e que, portanto, tal essência é parte integrante, movida e movente, da história
O que caracteriza o primeiro período é a concepção dualista/transcendental de que teríamos um “verdadeiro ser”, que corresponderia à essência, à eternidade, ao fixo; e um ser menor, ou uma manifestação “corrompida” do ser, que seria a esfera do efêmero, do histórico, do processual.
Tal como os gregos, os homens medievais também concebiam a sua história como a eles imposta por forças que estes jamais poderiam controlar. Diferente dos gregos, contudo, a concepção cristã pressupõe os homens como essencialmente ruins, pecadores e, por isso, merecedores do sofrimento terreno. A passagem do mundo medieval ao mundo moderno não conseguiu romper completamente com a dualidade entre a eternidade da essência e a historicidade do mundo dos homens
Certamente, o pensamento moderno abandona a concepção medieval de uma essência divina dos homens; a essência humana é agora entendida como a «natureza» dos homens. Esta “natureza”, por sua vez, nada mais é que a projeção à universalidade da “natureza específica” do homem burguês: acima de tudo, ser proprietário privado
Os padrões modernos de racionalidade e de essência humanas correspondem às condições de vida nas sociedades mercantis, então em pleno desenvolvimento. A relação comercial capitalista, um momento apenas particular da história, é transformada na essência eterna e imutável de todas as relações sociais: o homem se converte em lobo do homem
Assim, que possamos refletir para onde vai a nossa humanidade? Com tanta impunidade, falta de referência (valor moral) e sobretudo, desconhecimento da Lei de Causa e Efeito que nos ensina que tudo que fazemos ao próximo recebemos de volta.

REFERÊNCIAS
1.Stanovich, Keith E. (2009-01-27). What Intelligence Tests Miss: The Psychology of Rational Thought (1 ed.). Yale University Press.
2. Si nous résistons à nos passions, c'est plus par leur faiblesse que par notre force. ("Se resistimos às nossas paixões, é mais pela fraqueza delas que pela nossa força”)
    Maximes du duc de La Rochefoucauld: Précédées d'une notice sur sa vie‎ - item CXXII, p. 33, de François La Rochefoucauld, Charles de Secondat Montesquieu, Vauvenargues, Jean Baptiste Antoine Suard - Publicado por F. Didot frères, 1855 - 345 páginas.

Euzebio Raimundo da Silva é pedagogo, pós-Graduado em Gestão de Pessoas e Coordenador do departamento Doutrinário do Centro Espírita Frei Fabiano de Cristo.

A HIPOCRISIA



(MÉDIUM, SR. DIDIER FILHO)


Deveria haver na Terra dois campos bem distintos: o dos homens que fazem o bem abertamente e o dos que fazem o mal abertamente. Mas, não! O homem não é franco no tocante ao mal: afeta virtude. Hipocrisia! Hipocrisia! deusa poderosa, quantos tiranos criaste! quantos ídolos fizeste adorar! O coração do homem é realmente muito estranho, pois pode bater quando está morto, pois pode, em aparência, amar a honra, a virtude, a verdade, a caridade! Diariamente o homem se prostra ante estas virtudes e falta à sua palavra, desprezando o pobre e o Cristo. Diariamente é um tartufo e mente. Quantos homens parecem honestos porque a aparência muitas vezes engana! Cristo os chamava sepulcros caiados, isto é, a podridão interna, o mármore por fora, brilhando ao sol. Homem, na verdade pareces essa morada da morte; e, enquanto teu coração estiver morto, Jesus não te inspirará, Jesus, esta luz divina que não clareia o exterior, mas ilumina interiormente.

A hipocrisia — entendei bem — é o vicio da vossa época. E quereis fazer-vos grandes pela hipocrisia! Em nome da liberdade, vos engrandeceis; em nome da moral, vos embruteceis; em nome da verdade, mentis.

LAMENNAIS

Espiritismo por Dentro


“A benevolência para com os seus semelhantes, fruto do amor ao próximo, produz a afabilidade e a doçura, que lhe são as formas de manifestar-se. Entretanto, nem sempre há que fiar nas aparências. A educação e a freqüentação do mundo podem dar ao homem o verniz dessas qualidades. Quantos há cuja fingida bonomia não passa de máscara para o exterior, de uma roupagem cujo talhe primoroso dissimula as deformidades interiores!
O mundo está cheio dessas criaturas que têm nos lábios o sorriso e no coração o veneno; que são brandas, desde que nada as agaste, mas que mordem a menor contrariedade; cuja língua, de outro quando falam pela frente, se muda em dardo peçonhento, quando estão por detrás.” Lázaro, (Paris, 1861) O Evangelho Segundo Espiritismo – Cap. IX – Item 6

O casal Andrade e seus filhos eram integrantes ativos de organização doutrinária que patrocinava um grande evento espírita naquela pequena cidade. O explanador da ocasião havia sido recebido naquele lar com muita gentileza por parte de seus anfitriões. Durante o almoço, o marido esmerava-se me gestos e posturas de cordialidade buscando atender convenientemente o visitante, no entanto, sua esposa mantinha-se taciturna, com um olhar de revolta. O orador, porque era médium de faculdades educadas, aguçou suas antenas psíquicas na verificação do que passava com Dona Anastácia, captando intensa dor e tristeza nos sentimentos da sua anfitriã.

O evento realizou-se durante a tarde e parte da noite. No retorno ao lar, novamente a cena instalava-se à hora do repasto noturno, sendo que desta feita a esposa conturbada sai aos prantos da mesa, em crise inesperada. O palestrante, preocupado com o ocorrido, indaga ao esposo se algo poderia fazer e recebe queixas e deboches insensíveis do marido. Resolve então por solicitar um diálogo com Anastácia e ela, sem pestanejar, desabafou dizendo: “eu gostaria que meu marido tratasse-me com um centésimo da finura com a qual ele tem tratado o senhor como nosso visitante!”
...............................................
“Espiritismo de aparências”. “Espiritismo de superfície”.
A assimilação das propostas éticas da doutrina seguem uma seqüência natural e paulatina de maturidade. Primeiro atinge as idéias, posteriormente penetra os sentimentos e, por fim, renova as atitudes. Evidentemente, não será possível estipular uma separação perceptível entre essas etapas, porque elas se complementam e interagem sem que haja uma nitidez sobre seus efeitos. Na pequena historieta acima nota-se que o esposo de Dona Anastácia apresentava uma fachada para os que estão de fora do lar, mas na intimidade era um homem rude com sua companheira. Durante um estágio do processo de renovação espiritual essa conduta, inevitavelmente, fará parte do contexto do aperfeiçoamento. O incômodo decorrente dessa situação levará ao aprendiz da espiritualização a buscar uma coerência entre suas forças interiores na aquisição de sua própria paz. Todavia, se o aprendiz não se devotar o suficiente poderá permanecer demasiadamente no “Espiritismo de adorno”...

Pensamento, sentimento e ação são vivências que a princípio se contrapõem nessa escala do crescimento moral. Pensa-se algo, sente-se diversamente e age-se em dissonância com ambos. Uma desarmonia existe entre as três potências da alma. O esclarecimento espírita atinge o campo do pensar permitindo que a reflexão conduza o homem a novas formas de entendimento e avaliação da sua existência, no entanto, a transformação do sentir e os cuidados com as atitudes são os verdadeiros indicadores de que essa informação intelectiva está sofrendo uma metamorfose na intimidade, através do acionamento da vontade e do esforço na mudança de hábitos e reações perante os fatos da vida.

Espíritas que se aplicam na reforma interior não são identificados por suas ações no campo das aparências, que podem não passar de verniz ou máscara para dissimilar suas imperfeições e impressionar com qualidades que não adquiriu, mas são reconhecidos por suas reações aos testes de cada hora onde estiver. A forma de reagir a uma ofensa, a uma perda, a uma traição aferem a qualidade das mudanças que realmente temos operado no sentimento e se temos o Espiritismo de aparências ou por dentro. Como diz Lázaro: “(...) são brandas, desde que nada as agaste, mas que mordem à menor contrariedade”, isso é uma reação.

As poses religiosas sempre fizeram parte das atitudes humanas no intuito de convencer o outro daquilo que não convencemos a nós próprios. Essa atitude é reflexo do orgulho em querer parecer o que ainda não somos para fruir das sensações de que estamos sendo admirados e prezados pelos outros. Além de orgulho, é também escassez de auto-estima, é a mendicância da consideração alheia apresentando “falsos dotes” para chamar a atenção e conquistar o apreço. Genuflexões, voz mansa, abraços calorosos, sorrisos de alegria são bons modos que podem, algumas vezes, esconder propósitos falsos ou interesses escusos de prestígio. Essa “santidade de superfície” pode ser considerada natural nos primeiros tempos do contato com as Revelações Novas na vida da criatura até que ela se ajuste a uma conduta que melhor expresse a sua realidade. Mas para aqueles que passam os anos detendo-se nesses “chavões de puritanismo”, podem estar sofrendo de “negação psicológica”, ou seja, a manutenção de algum mecanismo de defesa que impeça  de analisar-se com sinceridade e construir a autoaceitação. O orgulho, como doença da alma, é habilidoso o bastante para gerar uma “capa de ofuscamento” das nossas imperfeições e criar uma “miragem encantadora”, com virtudes que ainda não desenvolvemos, nas quais ele nos faz acreditar. Até certo ponto é uma forma natural de se proteger da angústia e da aflição provocadas pelo autoconhecimento que produz o esclarecimento espírita, angústia decorrente do contato com a nossa inferioridade. E muito doloroso reconhecer nossa verdadeira condição espiritual...

Aprender a sermos nós mesmos, aprender a conviver pacificamente com nossos conflitos, aprender a dividir nossas angústias com alguém na busca de caminhos, aprender a lidar com autenticidade, essas são algumas das lições do Espiritismo por dentro. Ardilosos adversários espirituais da nossa causa têm explorado habilmente a fragilidade do “psiquismo místico” de várias criaturas que aderiram aos princípios renovadores da imortalidade. Não conseguindo desanimá-las da freqüência às atividades, optam então por incentivar as celeumas e atenções de amigos queridos com assuntos de exterioridade, insuflando sofismas de toda espécie que formam crenças e crentes em assuntos de menor importância para nossas fileiras, dilatando o grupo daqueles que se tornam oponentes em discussões estéreis que perturbam o clima vibratório dos ambientes. Além disso, é dessas discussões estéreis e precipitadas que costumam surgir as teses que fortalecem o institucionalismo nas práticas e conceitos doutrinários, através do rigorismo que enaltece a pureza por fora, mas que não cogita da pureza por dentro, nos recessos do coração.

Na lista do temas preferidos estão as fórmulas de desenvolvimento das práticas doutrinárias, distraindo-se com opiniões personalistas e que pouco acrescem ao bem das realizações das quais fazem parte. Enquanto se discute sobre questões de fora, esquece-se das questões íntimas, que são mais difíceis de serem tratadas e pensadas quando em um grupo de trabalho. Usa-se ou não luzes coloridas, come-se ou não a carne, bebe-se ou não os alcoólicos, dá-se ou não o passe com olhos fechados, coloca-se ou não uma placa com o nome do centro na via pública, lê-se ou não a obra de tal autor não considerado espírita, coloca-se ou não as garrafas destampadas para fluidificar a água, permite-se ou não a incorporação mediúnica, ora-se ou não de olhos abertos. A lista não pára é interminável.

Outras vezes, a sutil interferência obsessiva opera-se na velha tradição ético-religiosa de estipula padrões de conduta na forma: “espírita faz isso e não pode fazer aquilo”. Assuntos, todos eles, que podem até ser interessantes discutir, mas que têm provocado um movimento de inutilidade e obsessão em razão da forma infantil como são tratados, dando-lhes exagerada importância e priorizando o exterior em detrimento da essência – um reflexo natural dos mecanismos de defesa com os quais grande maioria dos homens encarnados lidam na atualidade.

Seria mais interessante, embora penoso, discutir o que faremos para perdoar um inimigo, como vencer um hábito sexual, como vencer impulsos menos dignos para com alguém, como ser uma criatura agradável onde vivemos, porque nos ofendemos com uma determinada forma de agir, qual a razão de nos irritarmos perante um fato específico, qual a origem de certas fantasias que nos acompanham compulsivamente, porque determinada tarefa é trabalhosa para nós, onde as causas da preguiça para estudar, como se sentir motivado para a leitura edificante, o que podemos fazer para ajudar alguém que todos querem excluir, qual a causados pensamentos de vingança que costumam surgir em nossa tela mental, quais os traumas da infância que ainda nos influenciam na adultidade, o motivo da atração ou rejeição por uma pessoa em particular... São muitas perguntas e incursões das quais, costumeiramente, afastamo-nos. Nisso reside os embriões para a instauração do Espiritismo por dentro!

Deixemos claro a esse respeito que não foram os ritos de fé e nem os sacramentos nas idéias que desviaram a sublime missão da mensagem da Boa Nova, e sim os sentimentos com os quais os homens se trataram mutuamente perante o entendimento de tais caminhos, nas trilhas sombrias da fé exterior. Se os costumes e posturas humanas tivessem sido burilados no caráter nobre e na ação correta criando relações de amor, mesmo com castiçais e velas, missas e igrejismo, conduziríamos a fé aos patamares da maturidade e da elevação espiritual. Contudo, todos os parâmetros e sistemas da ecclésia constituíram graves problemas para a humanidade, porque atrás dos regimes religiosos havia acendrado orgulho sustentando a sede do homem pela supremacia da verdade, assim como hoje existem muitos espíritas repetindo essa malfadada lição...

Sem temor algum, concluímos que ritos e poses em momento algum são os problemas que pesam sobre o futuro espiritual que espera os homens espíritas, mas, acima de tudo, a luz que não souberam ou não quiseram dilatar nos reinos do coração, perante os luminosos raios da Verdade entregue gratuitamente a todos os adeptos, nos seus caminhos de cada dia.

A VELHA ILUSÃO DAS APARÊNCIAS


A VELHA ILUSÃO DAS APARÊNCIAS

"NÃO BASTA QUE DOS LÁBIOS MANEM LEITE E MEL.
SE O CORAÇÃO DE MODO ALGUM LHES ESTÁ ASSO-
CIADO, SÓ HÁ HIPOCRISIA. AQUELE CUJA AFABILI-
DADE E DOÇURA NÃO SÃO FINGIDAS NUNCA SE DES-
MENTE: É O MESMO, TANTO EM SOCIEDADE, COMO
NA INTIMIDADE. ESSE, AOS DEMAIS, SABE QUE SE,
PELAS APARÊNCIAS, SE CONSEGUE ENGANAR OS
HOMENS, A DEUS NINGUÉM ENGANA." E.S.E. CAP.9.
Os adeptos sinceros do Espiritismo mais que nunca carecem de abordar com franqueza o velho problema da hipocrisia humana. Nesse particular, seria muito proveitoso que as agremiações doutrinárias promovessem debates grupais acerca dos caminhos e desafios que enfrentamos todos nós, os que decidimos por uma melhoria moral no reino do coração.
O chamado "vício de santificação" continua escravizando o mundo psicológico do homem a noções primárias e inconsistentes sobre como desenvolver o sagrado patrimônio das virtudes, que se encontra adormecido na vida superconsciente do ser.
Hipocrisia é o hábito humano adquirido de aparentar o que não somos, em razão da necessidade de aprovação do grupo social em que convivemos. Intencional ou não, é um fenômeno profundo nas suas raízes emocionais e psíquicas, que envolve particularidades específicas a cada criatura, mas que podemos conceituar como a atitude de simular, antes de tudo para nós mesmos, uma "imagem ideal" daquilo que gostaríamos de ser. Difícil definir os limites entre o desejo sincero de aperfeiçoar-se em direção a esse "eu ideal", e o comportamento artificial que nos leva a acreditar no fato de estarmos nos transformando, considerando a esteira de reflexos que criamos nas fileiras da mentira.
Aliás, para muitos corações sinceros que efetivamente anelam por aprimoramento e mudança, detectar uma atitude falsa e uma ação que corresponda aos novos ideais costuma desenvolver um estado psicológico de insatisfação consigo mesmo, que pode ativar a culpa e a cobrança impiedosa. Instala-se assim um cruel sistema mental de inaceitação de si mesmo, que ruma para a mais habitual das camuflagens da hipocrisia: a negação, a fuga.
Não podemos asseverar que todo processo de defesa psíquica que vise negar a autêntica realidade humana seja algo patológico e nocivo. Muitas almas não teriam a mínima saúde mental não fossem semelhantes recursos que, em muitas ocasiões, funcionam como um "escudo protetor" que vai levando a criatura, pouco a pouco, ao conhecimento doloroso da verdadeira intimidade, até ter melhores e mais seguros recursos de libertação e equilíbrio. No entanto, quando nesse processo existe a participação intencional de ações que visem impressionar os outros com qualidades ainda não conquistadas, principalmente para auferir vantagens pessoais, então se estabelece a hipocrisia, uma ação deliberada de demonstrar atitudes que não correspondem à natureza dos sentimentos que constituem a rotina de sua vida afetiva .
As vivências sociais humanas com suas exigências materialistas conduziram o homem à aprendizagem da hipocrisia. A substituição de sentimentos foi um fenômeno adquirido. O hábito de camuflar o que se sente tornou-se uma necessidade perante os grupos, e certas concepções foram desenvolvidas nesse contexto que estimulam a falsidade. Convencionou-se por exemplo que homens não devam chorar, criando a imagem da insensibilidade masculina, em torno da qual bilhões de almas trafegam em papéis hipócritas e doentios. Certas profissões como a de educador, durante séculos aprisionadas nas sombras do mito, levaram à criação de um abismo entre educador e educando, que eram ambos obrigados a disfarçar emoções para respeitarem seus limites, impostos pela perversa institucionalização dos "super-heróis da cultura". Naturalmente todos esses convencionalismos vêm sofrendo drásticas reformulações para um progresso das comunidades em direção a um dia mais feliz e pleno de autenticidade nas atividades humanas.
Acompanhando essas renovações de mentalidade na cultura, é imperioso que os líderes e condutores espíritas tenham a coragem de sair de seus papéis, perante a coletividade doutrinária, e erguerem a bandeira do diálogo franco e construtivo acerca das reais necessidades que todos carregamos, rompendo com um ciclo de "faz de conta". Ciclo esse que somos infelizmente obrigados a afirmar, tem feito parte da vida de muitos adeptos espíritas e até mesmo de grupos inteiros. Sem qualquer reprimenda, vejamos esse quadro como sendo inevitável em se tratando de almas como nós, mal saídas do primarismo evolutivo. Nada mais fizemos que caminhar para a nossa hominização, ou seja, largar a selvageria instintiva e galgar os degraus da humanização - o núcleo central do aprendizado na fase hominal, a qual estamos apenas penetrando.
Adquirir essa consciência de que a evolução não se faz aos saltos, e sim etapa a etapa, é um valoroso passo na libertação desse "vício de santificação", essa necessidade neurótica que incutimos ao longo de eras sem fim, especialmente nas leiras religiosas, com o qual queremos passar por aquilo que ainda não somos. Disso resulta o conflito, a dor, a cobrança, o perfeccionismo e todo um complexo de atitudes de autodesamor.
Sejamos nós mesmos e não nos sintamos menores por isso. Aparentar santificação para o mundo não nos exonera da equânime realidade dos princípios universais, Ninguém escapa das leis criadas pelo Criador. A elas todos estamos submetidos. Que nos adiantará demonstrar santificação para os outros, se a vida dos espíritos e um espelho da Verdade que mostrará, a cada um de nós particularmente, como somos?
Se acreditamos, portanto, na imortalidade e sabemos da existência dessas "leis-espelho", deveríamos então concluir que o quanto antes, para aqueles que se encontram na carne, tratarmos nossa realidade sem medos e culpas, maior será o bem que fazemos a nós mesmos.
Recordemos, nesse ínterim, que a caridade para com o outro, conquanto seja extenso tributo de ajuste aos Estatutos Divinos, não é "passaporte de garantia" para a movimentação nas experiências da autoridade e do equilíbrio nos planos imortais. Aprendamos o quanto antes a cultivar essa "sensação de salvação", experimentada nos serviços de doação, também em nossos momentos de auto-encontro. Essa conquista realmente nos pertence e ninguém nos pode tirar em tempo algum.
Viver distante da hipocrisia necessariamente não significa expor a vida íntima e as lutas que carregamos a qualquer pessoa, mas expô-las antes de tudo a nós mesmos, assumindo o que sentimos, os desejos que nutrimos, os sonhos que ainda trazemos, os sentimentos que nos incendeiam de paixões, os pensamentos que nos consomem as horas, esforçando-se por analisar nossas más condutas. Por outro ângulo, esse mesmo processo de "detecção consciente" precisa ser realizado com nossos valores, as decisões infelizes que deixamos de tomar, o sacrifício de construir uma atividade espiritual, os novos costumes que estamos talhando na personalidade, os sentimentos sublimes que começam a ensaiar projetos de luz na nossa mente, as escolhas que temos feito no bem comum.
Reforma Íntima, como a própria expressão comunica, quer dizer a mudança que fazemos por dentro. E jamais, em caso algum, ela se dará repentinamente, num salto. A santificação é um processo lento e gradativo. Cuidemos com atenção das velhas ilusões que nos fazem acreditar na "angelitude por osmose", ou seja, de que a simples presença ou participação nos ofícios doutrinários é garantia de aperfeiçoamento.
Temos recebido na vida espiritual inúmeros companheiros de ideal, cuja revolta consigo próprios leva-os a tormentos patológicos de graves proporções, quando percebem o equívoco em acreditar que tão somente suas adesões às atividades de amor lhes renderiam o "reino dos céus". A ilusão é tão intensa que requer tratamentos especializados e longos em nosso plano. E vejam, os meus amigos na carne, o que a mente é capaz, pois muitos desses corações poderiam intensamente se beneficiar das realizações a que se entregaram, podendo mesmo alguns obter um trespasse tranqüilo, todavia, sem exceção, estão esperando mais do que merecem; é quando surge a inconformação diante das expectativas de honrarias e glórias injustificáveis na espiritualidade. Então esbravejam ao perceberem que são tratados com muito carinho e amor, a fim de assumirem sua verdadeira realidade de doentes com baixo aproveitamento na reencarnação, colhendo espinhoso resultado de seu auto-engano.
Espíritas amigos e irmãos, lembrai-vos de que todos estamos na Terra, planeta de testes infindáveis ao nosse aperfeiçoamento. Mesmo os que nos encontramos fora de corpo ajustamo-nos a essa conotação evolutiva. E nessa conjuntura o caminho da santificação se amolda à realidade do homem que nela habita. Se, por agora, estivermos pelo menos nos esforçando para sair do mal que fazemos a nós e ao próximo, dirigimo-nos para essa proposta sagrada.
Todavia, se ansiamos por concretizar em mais larga escala as luzes de nossa santificação, lancemo-nos com louvor a outra etapa do processo e aprendamos como criar todo o bem que pudermos em torno de nossos passos, soltando-nos definitivamente de todos os grilhões do terrível sentimento do fingimento, o qual ainda nos faz sentir que somos aquilo que supomos ser.
Espírito Ermance Dufaux