Estudando o Espiritismo

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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Controle Universal do Ensino dos Espíritos - CUEE


Revista Espírita, abril de 1864

Por Allan Kardec

Já abordamos esta questão em nosso ultimo número, a propósito de um artigo especial – da perfeição dos seres criados. Mas ela é de tal importância, tem conseqüências de tal magnitude para o futuro do Espiritismo, que julgamos dever tratá-lo de modo mais completo.

Se a Doutrina Espírita fosse uma concepção puramente humana, não teria como garantia senão as luzes de quem a tivesse concebida. Ora, ninguém aqui poderia ter a pretensão fundada de possuir, ele só, a verdade absoluta. Se os Espíritos que a revelaram se tivessem manifestado a um só homem, nada garantiria a sua origem, pois seria preciso crer sob palavra naquele que dissesse ter recebido seu ensino. Admitindo de sua parte uma perfeita sinceridade, ao menos poderia convencer as pessoas de seu ambiente. Poderia ter sectários, mas não conseguiria jamais atrair todo o mundo.

Quis Deus que a nova revelação chegasse aos homens por uma via mais rápida e mais autêntica. Eis por que encarregou os Espíritos de a levar de um a outro polo, manifestando-se por toda parte, sem dar a ninguém o privilégio exclusivo de ouvir a sua palavra. Um homem pode ser enganado, pode mesmo enganar-se. Assim não poderia ser quando milhões de homens vêem e ouvem a mesma coisa: é uma garantia para cada um e para todos. Aliás pode fazer-se um homem desaparecer, mas não desaparecem as massas. Podem queimar-se os livros, mas não os Espíritos. Ora, se queimassem todos os livros, a fonte da doutrina não seria emudecida, por isso que não está na terra: surge por toda a parte e cada um pode aproveitá-la. Em falta de homens para a espalhar, haverá sempre Espíritos que atingem todo o mundo e ninguém os pode atingir.

Na realidade, são os próprios Espíritos que fazem a propaganda, auxiliados por inumeráveis médiuns que suscitam por todos os lados. Se tivessem tido um intérprete único, por mais favorecido que fosse, o Espiritismo seria apenas conhecido. Esse mesmo intérprete, fosse de que classe fosse, teria sido objeto de prevenções por parte de muita gente. Nem todas as nações o teriam aceitado, ao passo que os Espíritos se comunicam por toda a parte, a todos os povos, a todas as seitas e partidos, sendo aceitos por todos. O Espiritismo não tem nacionalidade. Está por fora de todos os cultos particulares, não é imposto por nenhuma classe da sociedade, pois cada um pode receber instruções de parentes e amigos de além túmulo. Era preciso que assim fosse, para que pudesse chamar todos os homens à fraternidade. Se, não tivesse colocado em terreno neutro, teria mantido dissenções, em vez de as apaziguar.

Essa universalidade do ensino dos Espíritos constitui a força do Espiritismo. Aí, também, está a causa de sua propagação tão rápida. Ao passo que a voz de um só homem, mesmo com o auxílio da imprensa, teria levado séculos antes de chegar a todos os ouvidos, eis que milhares de vozes se fazem ouvir simultaneamente em todos os pontos da terra, para proclamar os mesmos princípios, e os transmitir aos mais ignorantes, como aos mais sábios, a fim de que ninguém fique deserdado. É uma vantagem de que não gozou nenhuma das doutrinas até hoje aparecidas. Se, pois, o Espiritismo é uma verdade, nem teme a má vontade dos homens, nem as revoluções morais, nem os desmoronamentos físicos do globo, porque nenhuma dessas coisas podem atingir os Espíritos.

Mas se não é a única vantagem resultante desta posição excepcional, o Espiritismo aí encontra uma onipotente garantia contra os cismas que poderiam suscitar, pela ambição de uns, ou pelas contradições de certos Espíritas. Seguramente essas contradições são com escolho, mas que leva em si o remédio ao lado do mal.

Sabe-se que os Espíritos, por força da diferença existente em suas capacidades, estão longe de estar individualmente na posse de toda a verdade; que nem a todos é dado penetrar certos mistérios; que seu saber é proporcional à sua depuração; que os Espíritos vulgares não sabem mais que os homens e até menos que certos homens; que entre eles, como entre estes, há presunçosos e pseudo-sábios, que crêem saber o que não sabem, sistemáticos que tomam suas verdades; enfim, que os Espíritos de ordem mais elevada, os que estão completamente desmaterializados, são os únicos despojados das idéias e preconceitos terrenos. Mas sabe-se, também, que os Espíritos enganadores não tem escrúpulo em esconder-se sob nomes de empréstimo, para fazerem aceitas as suas utopias. Disso resulta que, para tudo quanto esteja fora do ensino exclusivamente moral, as revelações que cada um pode obter tem um caráter individual sem autenticidade. Que devem ser consideradas como opinião pessoais de tal ou qual Espírito, e que seria imprudente aceitá-las e promulgá-las levianamente como verdades absolutas.

O primeiro controle é, sem sombra de dúvida, o da razão, à qual é preciso submeter, sem exceção, tudo quanto vem dos Espíritos. Toda teoria em manifesta contradição com o bom senso, com uma lógica rigorosa e com os dados positivos que se possuem, por mais respeitável que seja a sua assinatura, deve ser rejeitada. Mas esse controle é incompleto em muitos casos, por força da insuficiência das luzes de certas pessoas e da tendência de muitos a tomar seu próprio julgamento por único árbitro da verdade. Em tal caso, que fazem os homens que não tem absoluta confiança em si próprios? Seguem a opinião do maior número e a opinião da maioria é o seu guia. Assim deve ser a respeito do ensino dos Espíritos, que nos fornecem, eles próprios, os seus meios.

A concordância no ensino dos Espíritos é, pois, o melhor controle, mas ainda é preciso que ocorra em certas condições. A menos segura de todas é quando um médium interroga, ele próprio, a vários Espíritos sobre um ponto duvidoso. É evidente que se estiver sob o império de uma obsessão e se tratar com um Espírito enganador, este lhe pode dizer a mesma coisa com nomes diversos. Também não há garantia suficiente na conformidade obtida pelo médiuns de um mesmo centro, pois podem sofrer a mesma influência. A única séria garantia está na concordância que exista entre as revelações espontâneas, feitas por grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em diversas regiões. Compreende-se que aqui não se trata de comunicações relativas a interesses secundários, mas do que se liga aos princípios da mesmos da doutrina.

Prova a experiência que quando um princípio novo deve ter a sua solução, é ensinado espontaneamente em diversos ponto ao mesmo tempo e de maneira, senão na forma, ao menos no fundo. Se, pois, a um Espírito agrada formular um sistema excêntrico, baseado em suas próprias idéias e fora da verdade, podemos estar certos que o sistema ficará circunscrito e cairá ante a humanidade das instruções dadas por toda a parte, como já houve vários exemplos. É essa unanimidade que faz caírem todos os sistemas parciais, nascidos na origem do Espiritismo, quando cada um explicava os fenômenos à sua maneira e antes que fossem conhecidas as leis que regem as relações entre o mundo visível e o invisível.

Tal a base em que nos apoiamos quando formulamos um princípio da doutrina. Não o damos como verdadeiro por ser conforme as nossas idéias; não nos colocamos absolutamente como árbitro supremo da verdade e a ninguém dizemos: "Crede nisto porque o dizemos". Nossa opinião, aos nossos olhos, não passa de opinião pessoal, que pode ser justa ou falsa, desde que não somos mais infalível que qualquer outro. Também não é porque um princípio nos é ensinado que para nós é a verdade, mas porque recebeu a sanção da concordância.

Esse controle universal é uma garantia para a futura unidade do Espiritismo e anulará todas as teorias contraditórias. É aí que, no futuro, será procurado o critério da verdade. O que fez o sucesso da doutrina formulada no Livro dos Espíritos e no Livro dos Médiuns é que por toda parte cada um pode receber dos Espíritos, diretamente, a confirmação do que eles encerram. Se, de todos os lados, os Espíritos tivessem vindo contradize-los, de há muito esses livros teriam tido a sorte de todas as concepções fantásticas. O próprio apoio da imprensa não os teria salvo do naufrágio, ao passo que, privados desse apoio, nem por isto deixaram de fazer um caminho rápido, porque tiveram o dos Espíritos, cuja boa vontade compensou com sobra a má vontade dos homens. Assim será com todas as idéias emanadas dos Espíritos ou dos homens que não puderem suportar a prova do controle, cujo poder ninguém poderá contestar.

Suponhamos, pois, que apraza a certos Espíritos ditar, sob um título qualquer, um livro em sentido contrário. Suponhamos mesmo que, numa intenção hostil, e visando desacreditar a doutrina, a malevolência suscitasse comunicações apócrifas. Que influência poderiam ter esses escritos, se são desmentidos de todos os lados pelos Espíritos? É da adesão destes últimos que seria necessário assegurar-se, antes de lançar um sistema em seu nome. Do sistema de um só ao de todos há uma distância da unidade ao infinito. Que podem mesmo todos os argumentos dos detratores sobre a opinião das massas, quando milhão de vozes amigas, partidas do espaço, vem de todos os pontos do globo e no seio de cada família, os bater na brecha? Sob esse ponto a experiência já não confirmou a teoria? Em que se tornaram todas as publicações que se diziam vir aniquilar o Espiritismo? Qual a que lhe deteve a marcha? Até hoje a questão não tinha sido encarada sob este ponto de vista, sem dúvida um dos mais sérios. Cada um contou consigo, mas não com os Espíritos.

Ressalta de tudo isto uma verdade capital: é que quem quer que quisesse atravessar-se contra a corrente das idéias estabelecidas e sancionadas, poderia bem causar uma pequena perturbação local e momentânea, mas nunca dominar o conjunto, mesmo no presente e, ainda menos, no futuro.

Ressalta, ainda, que as instruções dadas pelos Espíritos sobre pontos da doutrina ainda não elucidados, não poderia constituir lei, enquanto ficassem isoladas. Consequentemente, não devem ser aceitas senão com todas as reservas e a título de informação.

Daí a necessidade de dar à sua publicação a maior prudência. E, no caso se julgasse dever publicá-las, importa não as apresentar senão como opiniões individuais, mais ou menos prováveis, mas tendo, em todo o caso, necessidade de confirmação. É essa confirmação que se deve esperar, antes de apresentar um princípio como verdade absoluta, se não quiser ser acusado de leviandade ou de irrefletida credulidade.

Em suas revelações, os Espíritos superiores procedem com extrema sabedoria. Só gradativamente abordam as grandes questões da doutrina, à medida que a inteligência se torna apta a compreender verdades de uma ordem mais elevada, e que circunstâncias propícias para a emissão de uma idéia nova. Eis porque, desde o começo, não disseram tudo e ainda hoje não o disseram, jamais cedendo à impaciência de criaturas muito apressadas, que querem colher os frutos antes de sua maturidade. Seria, pois, supérfluo querer precipitar o tempo marcado a cada coisa pela Providência, porque então os Espíritos realmente sérios positivamente recusam o seu concurso; mas os Espíritos levianos, pouco se incomodando com a verdade, a tudo respondem. É por isso que, sobre todas as questões prematuras, sempre há respostas contraditórias.

Os princípios acima não são fruto de uma teoria pessoal, mas a conseqüência forçosa das condições em que se manifestam os Espíritos. É evidente que se um Espírito diz uma coisa de um lado, enquanto milhões dizem o contrário alhures, a presunção de verdade não pode estar com aquele que é o único ou mais ou menos de sua opinião. Ora, pretender ser o único a ter razão contra todos seria tão ilógico da parte de um Espírito quanto da parte de um homem. Os Espíritos verdadeiramente sábios, se não se sentem suficientemente esclarecidos sobre uma questão, jamais a resolvem de maneira absoluta. Declaram não a tratar senão de seu ponto de vista, e aconselham mesmo a esperar-se a sua confirmação.

Por mais bela, justa e grande que seja uma idéia, é impossível que, desde o começo, alie todas as opiniões. Os conflitos daí resultantes são conseqüência inevitável do movimento que se opera. São mesmo necessários para melhor destacar a verdade, e é útil que ocorram no começo, para que as idéias falsas sejam mais prontamente desgastadas. Os espíritas que concebessem alguns temores devem, pois, ficar perfeitamente seguros. Todas as pretensões isoladas cairão pela força das coisas, ante o grande e poderoso critérium de controle universal. Não é à opinião de um homem que se aliarão, é a voz unânime dos Espíritos. Não é um homem, nem nós mais que outro, que fundará a ortodoxia espírita; também não é um Espírito vindo impor-se a quem quer que seja: é a universalidade dos Espíritos, comunicando-se em toda a terra, por ordem de Deus. Aí está o caráter essencial da doutrina espírita. Aí está a sua força e a sua autoridade. Deus quis que a sua lei se assentasse numa base inabalável, e, por isso, não a assentou sobre a cabeça frágil de um só.

É perante esse poderoso areópago, que nem conhece grupelhos, nem as rivalidades invejosas, nem seitas ou nações, que virão quebrar-se todas as oposições, todas as ambições, todas as pretensões à supremacia individual; que nós mesmos nos quebraríamos se quiséssemos substituir os seus soberanos desígnios por nossas próprias idéias; ele é o único que resolverá todas as questões litigiosas, que fará calarem-se as dissidências e dará ou não razão a quem de direito. Ante esse imponente acordo de todas as vozes do céu, que pode a opinião de um homem ou de um Espírito? Menos que a gota d’água que se perde no oceano, menos que a voz da criança, abafada pela tempestade.

A opinião universal, eis, então, o juiz supremo, o que se pronuncia em última instância. Ela se forma de todas as opiniões individuais. Se uma delas for verdadeira, terá apenas o seu peso relativo na balança. Se for falsa, não pode triunfar sobre todas as outras. Neste imenso concurso os indivíduos se apagam, e aí está um novo cheque para o orgulho humano.

Esse conjunto harmonioso já se desenha. Ora, este século não passará sem que resplandeça em todo o seu brilho, de maneira a fixar todas as incertezas. Porque, daqui para a frente vozes poderosas terão recebido a missão de se fazer ouvir para aliar os homens sob a mesma bandeira, desde que o campo seja suficientemente trabalhado. Enquanto espera, aquele que flutuasse entre dois sistemas opostos, pode observar em que sentido se forma a opinião geral; é o índice certo do sentido no qual se pronuncia a maioria dos Espíritos sobre os diversos pontos em que se comunicam. É um sinal não menos certo de qual dos dois sistemas triunfará.

Ciência e Espiritismo

Artur Mascarenhas

Em pleno início do século XXI e dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos que nos aguardam neste novo milênio, somos levados a reavaliar a postura do Espiritismo perante a Ciência. Embora Kardec tenha enunciado que “O Espiritismo e a Ciência se completam um pelo outro” eles permanecem separados, sobretudo porque o preconceito científico e sistemático da chamada “Ciência Oficial” (ou acadêmica), mantendo sua postura materialista e céptica, leva à negação a priori dos fenômenos espíritas, tomados como superstição ou fraude e, conseqüentemente, rotulando o Espiritismo como destituído de bases científicas.

O Espiritismo é definido por Kardec como “a ciência que estuda a origem, a natureza e a destinação dos Espíritos, bem como sua relação com o mundo corpóreo. É ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma filosofia de conseqüências morais” .

Por outro lado, uma boa definição de ciência é “um conjunto organizado de conhecimentos relativos a um determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a observação, a experiência dos fatos e um método próprio” .Assim dois elementos são essenciais para ter-se uma ciência: o objeto e o método de estudo deste objeto, que de acordo a definição acima, precisa ser adequado ao objeto.

Classicamente falando, a ciência se baseia no método indutivo, que parte do particular para o todo, sendo portanto reducionista, empirista e cartesiana. Um dos critérios citados como de máxima importância seria a da reprodutibilidade dos experimentos, em qualquer parte do mundo, por qualquer pessoa, desde que as condições fossem mantidas as mesmas. Mas se formos rígidos no método clássico, deixaríamos de considerar como ciências a História, a Sociologia, a Psicologia, etc., o que nos parece completamente absurdo, desde que não se produzam fatos históricos em laboratório, e tão pouco se reproduzem comportamentos em pessoas submetidas às mesmas condições. O que difere as Ciências Humanas das Ciências Exatas ou Naturais são justamente o objeto e o método, embora em alguns casos o objeto pode ser mesmo: o homem.

Assim é que o Espiritismo, por possuir um objeto de estudo completamente alheio à “Ciência Oficial”, ou seja, o espírito ou princípio inteligente, requer um método próprio, adequado. Kardec define este método em relação à fenomenologia espírita quando usa o termo “ciência de observação”, a qual consiste na observação criteriosa dos fatos, buscando entender suas origens, suas causas. Também a História é uma ciência de observação, e assim como não se reproduzem fatos históricos, não se pode exigir a reprodução inequívoca de fenômenos espíritas, desde que o objeto de estudo é inteligente, emocional e volitivo – o Espírito.

Para o Espiritismo, a existência do Espírito e de sua comunicabilidade é um fato, decorrente do axioma de que “todo efeito inteligente precisa ter, necessariamente, uma causa inteligente”. O que importa é o controle sobre a legitimidade da comunicação que se obtém através dos fenômenos mediúnicos, quer de efeitos físicos ou de efeitos inteligentes, e para tanto Kardec definiu um método doutrinário próprio, sumarizado por Herculano Pires em quatro pontos principais:

“i) Escolha de colaboradores mediúnicos insuspeitos, tanto do ponto de vista moral, quanto da pureza das faculdades e da assistência espiritual;

“ii) Análise rigorosa das comunicações, do ponto de vista lógico, bem como do seu confronto com as verdades científicas demonstradas, pondo-se de lado tudo aquilo que não possa ser justificado;

“iii) Controle dos Espíritos comunicantes, através da coerência de suas comunicações e do teor de sua linguagem;

“iv) Consenso universal, ou seja, concordância de várias comunicações, dadas por médiuns diferentes, ao mesmo tempo e em vários lugares, sobre o mesmo assunto”.

Muito dos chamados pesquisadores espíritas envidam esforços para a comprovação da existência dos Espíritos e da imortalidade da alma, mas freqüentemente empregando os métodos da Química, da Física, da Biologia, etc., que são adequados à matéria, mas não ao Espírito. O máximo que poderão conseguir é um melhor entendimento dos fenômenos de efeito físico e do perispírito, que é a parte material do Espírito, o seu corpo de manifestação, mas jamais do princípio inteligente, que é imaterial e foge a todas as técnicas de investigação da matéria. Enquanto isso, a Ciência Espírita, baseada no método kardecista, foi praticamente abandonada pelos espíritas...

Voltando ao confronto Ciência e Espírito, embora à primeira vista há conceitos espíritas que parecem ser desmentidos ou postos em dúvida pela Ciência, o desenvolvimento da ciência no século passado muitas vezes apontou na direção da confirmação dos princípios espíritas. A desintegração da matéria em partículas cada vez mais elementares e a interconversão matéria/energia, como estabelecido pelas Mecânicas Quântica e Relativística, respectivamente, apontam a possibilidade de existência uma “matéria elementar”– o que é coerente com o princípio espírita da existência de um fluido universal (ou cósmico), proposto pelos Espíritos Codificadores.

A medicina psicossomática, a escrita automática, o corpo bioplásmico, a terapia de vidas passadas (TVP), a psicologia transpessoal, cada uma em sua própria área de atuação, gradativamente vêm fazendo avanços que confirmam a teoria espírita, mas não provam por “a mais b” a existência do Espírito e sua sobrevivência ao corpo, permanecendo muitas vezes injustamente marginalizadas do ponto de vista acadêmico.

Entretanto, consideramos precipitado substituir a terminologia espírita pela terminologia científica, pois poderemos incorrer em graves erros, que podem levar à descaracterização da Doutrina Espírita. Alguns confrades espíritas, afoitos em respeitar a natureza evolutiva do Espiritismo, como estabelecido por Kardec em “A Gênese” 1, substituíram em seus escritos a palavra fluido por energia, chamam o perispírito de corpo eletromagnético do Espírito e alguns chegaram a afirmar que o princípio vital nada mais seria que o DNA...

Lembremos o ensinamento do codificador: “Melhor é recusar nove verdades, a aceitar uma única mentira”.

O Espiritismo é uma ciência sim! Mas é preciso respeitar-lhe objeto e método. Lúcido foi Kardec, ao enunciar que “o Espiritismo e a Ciência se completam um pelo outro; a ciência, sem o Espiritismo, se acha impossibilitada de explicar certos fenômenos, unicamente pelas leis da matéria; o Espiritismo, sem a ciência, ficaria sem apoio e exame” 1.

O autor é bacharel e mestre em Química pela UFBA, doutorando em Química pela UNICAMP. Iniciou seus estudos espíritas no CEHC em 1989, é sócio fundador da Sociedade de Educação Espírita da Bahia – SEEB e criador e moderador da lista eletrônica “Evangelho-na-Net”, através da qual distribui diariamente mensagens espíritas de caráter moral (Evangelho-na-Net-subscribe@yahoogroups.com).

[1] Kardec, A., A Gênese, LAKE.

[1] Kardec, A., O que é o Espiritismo, FEB.

[1] Dicionário Aurélio Eletrônico.

[1] Pires, H., Ciência Espírita, FEESP.

[1] Pires, H., in “Introdução ao Livro dos Espíritos”, O Livro dos Espíritos, LAKE.

[1] Kardec, A., O Livro dos Médiuns, LAKE.

O controle universal dos ensinos dos Espíritos



Dois importantes critérios, igualmente tomados à metodologia científica, foram adotados por Kardec na difícil tarefa de reunir informações para a elaboração da Doutrina Espírita: a generalidade ( ou universalidade ) e a concordância dos ensinos dos Espíritos. Esses critérios, com o suporte do uso da razão, do bom senso e da lógica rigorosa emprestam à Doutrina Espírita força e autoridade, como podemos constatar na introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo: Quis Deus que a nova revelação, chegasse aos homens por mais rápido caminho e mais autêntico. Incumbiu, pois, os Espíritos de levá-la de um pólo a outro, manifestando-se por toda a parte, sem conferir a ninguém o privilégio de lhes ouvir a palavra. Um homem pode ser ludibriado, pode enganar-se a si mesmo; já não será assim, quando milhões de criaturas vêem e ouvem a mesma coisa. Constitui isso uma garantia para cada um e para todos. Ao demais, pode fazer-se que desapareça um homem; mas não se pode fazer que desapareçam as coletividades; podem queimar-se os livros, mas não se podem queimar os Espíritos. Ora, queimassem-se todos os livros e a fonte da doutrina não deixaria de conservar-se inexaurível, pela razão mesma de não estar na Terra, de surgir em todos os lugares e de poderem todos dessedentar-se nela. Não será à opinião de um homem, que se aliarão os outros, mas à voz unânime dos Espíritos; não será um homem, como não será - qualquer outro, que fundará a ortodoxia espírita; tampouco será um Espírito que se venha impor a quem quer que seja: será a universalidade dos Espíritos que se comunicam em toda a Terra, por ordem de Deus. Esse caráter essencial da Doutrina Espírita; essa a sua força, a sua autoridade. Quis Deus que a sua lei assentasse em base inamovível e por isso não lhe deu por fundamento a cabeça frágil de um só. O primeiro exame comprobativo [ das mensagens dos Espíritos ] é, pois, sem contradita, o da razão, ao qual cumpre se submeta, sem exceção, tudo o que venha dos Espíritos. Toda teoria em manifesta contradição com o bom senso, com uma lógica rigorosa e com os dados positivos já adquiridos, deve ser rejeitada, por mais respeitável que seja o nome que traga como assinatura. Incompleto, porém, ficará esse exame em muitos casos, por efeito da falta de luzes de certas pessoas e das tendências de não poucas a tomar as próprias opiniões, como juízes únicos da verdade. Assim sendo, que hão de fazer aqueles que não depositam confiança absoluta em si mesmos? Buscar o parecer da maioria e tomar por guia a opinião desta. De tal modo é que se deve proceder em face do que digam os Espíritos, que são os primeiros a nos fornecer os meios de consegui-lo. Uma só garantia séria existe para o ensino dos Espíritos: a concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares.
Essa [ concordância ] a base em que nos apoiamos, quando formulamos um princípio da doutrina. Não é porque esteja de acordo om as nossas idéias que o temos por verdadeiro. Não nos arvoramos, absolutamente, em árbitro supremo da verdade e a ninguém dizemos: <<>> A nossa opinião não passa, aos nossos próprios olhos, de uma opinião pessoal, que pode ser verdadeira ou falsa, visto não considerarmos mais infalível do que qualquer outro. Também não é porque um princípio nos foi ensinado que, para nós, ele exprime a verdade, mas porque recebeu a sanção da concordância.
Na posição em que nos encontramos, a receber comunicações de perto de mil centros espíritas sérios, disseminados pelos mais diversos pontos da Terra, achamo-nos em condições de observar sobre que princípio se estabelece a concordância. Essa observação é que nos tem guiado até hoje e é a que nos guiará em novos campos que o Espiritismo terá de explorar. Porque, estudando atentamente as comunicações vindas tanto da França como do estrangeiro, reconhecemos, pela natureza toda especial das revelações, que ele tende a entrar por um novo caminho e que lhe chegou o momento de dar um passo para adiante. Essas revelações, feitas muitas vezes com palavras veladas, hão frequentemente passado despercebidas a muitos dos que as obtiveram. Outros julgaram-se os únicos a possuí-las. Tomadas insuladamente,elas, para nós, nenhum teriam; somente a coincidência lhes imprime gravidade. Depois, chegado o momento de serem entregues à publicidade, cada um se lembrará de haver obtido instruções no mesmo sentido. Esse movimento geral, que observamos e estudamos, com a assistência dos nossos guias espirituais, é que nos auxilia a julgar da oportunidade de fazermos ou não alguma coisa. Essa verificação universal constitui uma garantia para a unidade futura do Espiritismo e anulará todas as teorias contraditórias. Aí é que, no porvir, se encontrará o critério da verdade. O que deu lugar ao êxito da doutrina exposta em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns foi que em toda a parte todos receberam diretamente dos Espíritos a confirmação do que esses livros contêm.
Retomando, em A Gênese, esse assunto, Kardec assim se expressa:Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade. Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da Doutrina Espírita e lhe assegura a perpetuidade. Para que ela mudasse, fora mister que a universalidade dos Espíritos mudasse de opinião e viesse um dia dizer o contrário do que dissera. Pois que ela tem sua fonte de origem no ensino dos Espíritos, para que sucumbisse, seria necessário que os Espíritos deixassem de existir. É também o que fará que prevaleça sobre todos os sistemas pessoais, cuja raízes não se encontram por toda a parte, como com ela se dá.

Espiritismo, Ciência e Lógica


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Chegou até nosso conhecimento um texto intitulado Espiritismo, Ciência e Lógica, do website Falhas do Espiritismo, redigido em tom de crítica à doutrina e ao movimento espírita; aliás com bastante inteligência e polidez, que não encontramos em todos os opositores da causa espírita. Em primeiro lugar, gostaríamos de agradecer ao tom de cordialidade com que a doutrina e os espíritas são tratados e nos esforçaremos aqui para manter o mesmo nível de argumentação, pedindo antecipadamente desculpas se em algum momento nos desviarmos do caminho da moderação.

Reconhecemos que, quanto ao movimento espírita, temos ainda muito que evoluir e que, muitas vezes, considerando o conjunto, tratamos de certas questões espíritas de maneira inconveniente, de modo que acabamos por atrair justas críticas para o nosso movimento.

Como integrante do movimento espírita, temos também a nossa visão própria sobre como a doutrina deveria ser praticada e propagada, e que pode ser mais ou menos justa. Acreditamos estar acorde com pelo menos uma grande parte dos que estudam o Espiritismo seriamente e tentaremos neste texto responder, justificar ou refutar os questionamentos e críticas que nos são apresentados no texto em questão, sem a pretensão de querer obter unanimidade de aceitação por parte de todo o movimento espírita, ou menos ainda de julgar ter dado a última palavra sobre o assunto, que certamente poderá render ainda muitas discussões. Queremos apenas contribuir com a nossa pedra para o edifício.

Há que se diferenciar também a crítica à doutrina espírita da crítica ao movimento espírita. Se a doutrina espírita é completamente defensável aos ataques, em nossa opinião, o movimento espírita nem sempre o é. O nosso interesse é defender somente o Espiritismo e o seu método. Mas quanto ao movimento espírita, do qual também somos parte, o defenderemos onde julgarmos que age corretamente em função dos princípios doutrinários, deixando a ele, contudo, a responsabilidade de seus acertos e erros.

Vamos então ao texto em questão, que citamos integralmente na cor azul e comentamos ponto por ponto:
citação:
Espiritismo, Ciência e Lógica

"Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará" (A Gênese).

O tempo passou. O século XX foi pródigo em destruir paradigmas, a começar pela Física clássica. Da constatação de que ela não explicava satisfatoriamente certos fenômenos surgiram dois novos campos: a Relatividade de Einstein e a menos famosa ao grande público, mas igualmente revolucionária, Mecânica Quântica. Os elétrons, prótons e nêutrons não podem ser imaginados como pequenas coisas independentes do mundo restante. O mundo quântico nada tem haver com essas coisas, que podem ser apalpadas. Apenas permite aos cientistas relacionar diferentes observações dos átomos entre si ou em matérias ainda menores, como procedimento para harmonizar suas observações. O átomo se converteu num simples código para um modelo matemático, não em parte da realidade. A Mecânica Quântica é aceita até hoje devido ao seu pleno êxito, não por ser intuitiva e bela. Muito pelo contrário: os paradoxos que seu sistema geraria no mundo macroscópico desafiam o senso comum e intrigaram até seus criadores. Sua modelagem probabilística acabou com o sonho de ser prever qualquer evento, desde que fossem dadas as condições iniciais. O acaso entrou definitivamente na Ciência, pelo menos no microcosmo. Muita gente não gosta disso. O próprio Einstein não gostava disso exclamou: "Deus não joga dados". Mas parece que Ele joga, sim.

Até a Matemática que se achava acima das crises de paradigmas das demais disciplinas também teve seu choque. Os matemáticos se empenhavam na busca de um conjunto finito de axiomas do qual se pudesse deduzir toda a Matemática. O banho de água fria veio quando o Gödel demonstrou que qualquer sistema lógico é incompleto. Sempre haverá sentenças em que não se poderá decidir se elas são verdadeiras ou falsas e a inclusão de mais axiomas apenas retarda o surgimento dessa questão. Em suma, há verdades que nunca serão atingidas. Longe de ser desesperador isto é bom. É sinal de que a Matemática nunca irá se esgotar. Podemos criar álgebras e geometrias tão malucas quanto queiram nossa imaginação; só uma coisa é exigida: coerência. A Lógica libertou-se totalmente das amarras ao mundo real.

O olhar que as ciência lançam sobre o homem também mudou. Não somos mais o produtos acabado da evolução, não estamos à testa de uma fila indiana das espécies. Somos apenas um ramo de uma árvore ramificada, que é constantemente podada pela tesoura da extinção. Não somos os mais evoluídos; pois evolução não significa progresso, mas adaptação. Uma ervinha é mais auto-suficiente que nós e toda nossa inteligência não é garantia de vida eterna.

As causas primárias e finais voltaram. A busca por uma "teoria final" que unifique em um só campo a Relatividade e a Mecânica Quântica prossegue. Dela se espera poder se descobrir o que levou o Universo a ser do que jeito que é e qual o seu destino.

E o Espiritismo nestas mudanças? O fosso entre as metodologias da "ciência espírita" e as demais "ciências" do mundo material foi progressivamente aumentando:

Após essa bela introdução, só temos a dizer que o "fosso" entre a metodologia das demais ciências em relação à ciência espírita só aumentou porque se tornou moda recentemente restringir o significado de "ciência". Tornou-se moda dizer que só é realmente válido cientificamente aquilo que pode ser colocado num "tubo de ensaio" e repetido à vontade num laboratório. Infelizmente não levam em conta que há inúmeros experimentos que não são reproduzíveis à nossa vontade, mesmo na ciência material. Mas isso é um assunto que desenvolveremos mais detalhadamente abaixo, no decorrer do texto. Por enquanto, sugerimos ao leitor o nosso texto O Espiritismo é realmente uma ciência?

Vejamos, então, ponto a ponto, os "fossos" que o nosso caro contraditor diz existir entre o Espiritismo e a Ciência:

citação:
Ciência: Comum novas gerações de cientistas refutarem trabalhos anteriores. Aversão à critérios de "autoridade".

Espiritismo: Medo de se distanciar da ortodoxia kardequiana. Culto à autoridade contido no espírito da Verdade ou Kardec. Há exceções, óbvio.

O que o nosso caro contraditor pensaria de alguém que refutasse a Teoria Heliocêntrica? Ou que refutasse a Teoria da esfericidade do nosso globo? Ou ainda que refutasse leis matemáticas conhecidas e estabelecidas, como o simples 2+2=4? Pode-se tentar refutar isso à vontade; o que não se pode é conseguir, senão há algo errado com o olho do observador. Então, vemos que é preciso certo critério para se refutar teorias. Não somos "metamorfoses ambulantes" e não saímos por aí refutando por refutar; mudando por mudar. É preciso ter uma visão e uma oportunidade de mudança.

Hippolyte Léon Denizard Rivail, quando começou seus estudos sobre o espiritismo, era um ilustre desconhecido fora do seu meio intelectual em sua época. E mais desconhecido tornou-se ainda por ter usado o pseudônimo de Allan Kardec. De onde, então, veio a autoridade de Kardec ou do Espírito de Verdade, que não do conteúdo de suas obras, da sua lógica, que angariaram simpatias? Pelo menos inicialmente não houve "critério de autoridade".

Embora não possamos responder por todos os espíritas, o Espiritismo nos incentiva a questionar a doutrina, submetê-la à prova e verificar se ela é capaz de resistir às críticas que lhe sejam feitas. Que culpa temos se ainda nenhuma crítica foi capaz de arranhar a sua imagem e justificar uma revisão fundamental? Que culpa temos se as nossas convicções são confundidas com estagnação evolutiva perante a ciência? Que os nossos opositores nos ajudem e nos mostrem os erros crassos para nossa edificação e tomada de ações corretivas. Mas não se zanguem se o nosso olho não for tão desenvolvido quanto o deles, de forma que não vejamos nada significativo onde eles vêem a realidade, ou vice-versa. Se alguém diz "há um erro", que nos mostre, pois temos a obrigação de avaliar, mas não necessariamente de aceitar.

Mas o que é mais comum no cético materialista não é o fato de apresentar pelo menos teorias substitutivas mas, sim, a sua postura de normalmente dizer "Quem garante que o fato ocorreu mesmo? Logo, não é preciso considerar.". Muito cômoda essa atitude, que não precisa investigar e não se comprometer com nada, nem mesmo com uma opinião, dizendo "é provável que tenha ocorrido assim, ou assado..." Pedem-nos provas, do jeito que querem e na hora que querem, quando não temos o interesse de convencê-los e quando essas provas somente a eles interessam, e não a nós. As provas que temos nos satisfazem. Apresentamo-las. Se outros crerão, já não é nosso problema.

citação:
Ciência: Obras de grandes mestres (Principia Mathematica, Origem das Espécies, etc) ainda lidas como referência, fontes de valor históricos e como uma forma de adentrar no raciocínio do autor. Os estudantes, porém, usam bibliografia recente, expandida e corrigida.

Espiritismo: Livros de Kardec ainda utilizados sem alterações, mesmo no que há de errado. Notas de rodapé corrigem alguns erros.

É, no mínimo, uma demonstração de ignorância dizer que os espíritas não procuram expandir a teoria espírita. Isso se tornou até um problema para o movimento, dado o número de teorias ainda não confirmadas; algumas esdrúxulas, que fazem considerável esforço para serem chamadas de "espíritas".

Quanto à natureza, as obras e os ensinamentos de Allan Kardec são divididos em duas partes: ensinamentos hipotéticos ou não fundamentais e princípios estabelecidos e fundamentais. No primeiro caso, nenhum erro identificado causa mudanças profundas na doutrina. No segundo caso, um erro identificado inviabiliza o Espiritismo como possibilidade de verdade. Temos absoluta convicção que erros não foram ainda encontrados de maneira irrefutável nos princípios fundamentais. Mas erros eventuais, como por exemplo, o número de luas de alguns planetas, já foram identificados. Como bem anunciou o nosso caro contraditor, notas de rodapé informam sobre esses erros. Contudo, uma correção não é possível de ser feita, pois as obras de Allan Kardec, antes de serem livros espíritas, são documentos históricos e patrimônio da humanidade. As notas de rodapé são as melhores formas de se fazerem correções, em nossa opinião. O que não se pode fazer é a correção no texto original.

Há ainda uma impropriedade na comparação das obras espíritas com o Principia de Newton, ou a Origem das Espécies de Darwin: ambas foram refutadas em seus princípios fundamentais, o que não ocorreu ainda com as obras espíritas, mesmo após 150 anos. O Principia de Newton poderia ser considerado um sistema doutrinário válido, e poder-se-ia aderir a ele como se adere hoje à doutrina espírita. A razão disso não ocorrer é que o Principia está superado pela Relatividade e por outras descobertas. Contudo, ele pode ser considerado uma doutrina antiga, ou parte de uma doutrina antiga.

Também um outro erro é achar que o Principia foi expandido e corrigido. O Principia é um só e não admite correções. Se corrigirmos os erros da Física Clássica acrescentando, por exemplo, as descobertas relativísticas, o novo conjunto formado mudaria de nome, deixando de ser Física Clássica e se tornando Física Relativística.

Se, com o Espiritismo, futuramente ocorrer o mesmo que ocorreu com o Principia, ou seja, for refutado em algum princípio fundamental e se tornar obsoleto, terá igualmente que mudar de nome para incorporar as mudanças, e os atuais adeptos do Espiritismo terão que mudar para o novo sistema, assim como os adeptos da Física Clássica mudaram suas crenças para a Física Relativística, que por sua vez também é uma crença provisória, por se saber que a Relatividade possui furos e que outro sistema o substituirá no futuro. Com relação ao Espiritismo, contudo, o dia da sua obsolescência ainda não chegou...

citação:
Ciência: A lógica é usada como ferramenta apenas. O raciocínio precisa estar corroborado evidências.

Espiritismo: A lógica é utilizada como meio de prova ou refutação de hipóteses, não havendo verificação de se a natureza pensa igual.

O nosso caro contraditor aqui faz uma análise simplista da questão e subestima a lógica espírita. Não poderíamos dizer qual seria o percentual de verdades absolutas que possuímos evidências básicas do tipo "podemos ver, sentir, tocar e repetir à vontade", mas imaginamos que seja muito pequeno em relação ao conjunto total de verdades absolutas disponíveis no Universo. Logo, as evidências básicas apenas abrangem uma parcela ínfima da realidade e, para esses casos, a lógica sequer precisa ser utilizada, a não ser para se ajustar à realidade, pois a realidade não pode ser ilógica.

A verdadeira ciência deve ser capaz de fazer abstrações, de teorizar, ainda que com o risco de errar, para que possa avançar. A relatividade e a mecânica quântica, apesar de conterem erros ainda desconhecidos, são utilizadas na vida prática da ciência. A própria física clássica o é, apesar de superada. Imagine se os cientistas as rejeitassem porque não há provas de que elas correspondem à realidade e, pior ainda, sabendo que elas não explicam corretamente a realidade... Imagine se dissessem: "deixemos essas físicas de lado porque estão erradas..."

No caso do Espiritismo, a lógica é usada da mesma forma que na ciência. Ela é usada para validar ou refutar teorias que não temos condições de averiguar com nossos próprios olhos. Temos também total consciência de que nem tudo que parece ter lógica é verdadeiro, mas o exame lógico reduz as nossas possibilidades de erro, do mesmo modo que na ciência.

O nosso caro contraditor diz ainda que não verificamos se a natureza pensa igual ao nosso exame lógico. Mas perguntamos, igualmente, se a nossa lógica, imperfeita, não nos pode conduzir a verdades práticas, relativas, quando não nos puder conduzir a verdades absolutas. A física clássica é novamente um belo exemplo de onde isso ocorre, sendo ensinada nas universidades e aplicada na vida prática, mesmo sabendo-se que é obsoleta. Será que a nossa lógica aplicada ao mundo espiritual não nos pode trazer convicções, ainda que transitórias, que possam ser usadas na vida prática da mesma forma que a convicção na mecânica quântica é aplicada na construção dos semicondutores usados na confecção dos nossos computadores? Pensamos que sim.

Portanto, não julgamos justa a acusação de que usamos a lógica de forma diferente à usada pela ciência. A lógica, para nós, é um primeiro cadinho de verificação. O outro é o controle universal do ensino dos espíritos, que é discutido abaixo após nova citação do texto.

citação:
Ciência: O bom senso e a experiência usual nem sempre são seguidos (Relatividade e Mecânica Quântica que o digam. Idem para a "ação à distância" de Newton). Optam-se por soluções pragmáticas, ainda que esdrúxulas.

Espiritismo: O senso comum, ao lado da lógica, é superestimado.

O senso comum aqui citado nada mais é do que o chamado controle universal do ensino que, no nosso caso, se torna também controle universal do ensino dos espíritos (CUEE). Ele é usado, juntamente com a lógica, seja para dar maior autoridade a esta, seja para acusar um problema que o exame lógico não detectou.

Recapitulando: na busca pela verdade, o Espiritismo prefere sempre a evidência objetiva, aquela que podemos tocar com o dedo. A existência dos espíritos, por exemplo, é constatada pela evidência. Na falta dela, assim como na ciência, o Espiritismo se permite teorizar. E no caso espírita, diferentemente da ciência ordinária, recebem-se teorias dos espíritos acerca de assuntos morais e coisas relacionadas ao mundo espiritual. Então, a lógica é o primeiro cadinho que, como já dissemos, valida ou refuta teorias, mas não estabelece verdades absolutas. Somente o que sobreviveu ao exame lógico é submetido ao senso comum, ou ao controle universal do ensino dos espíritos. Em alguns casos, esse controle universal apontou para outra hipótese diferente da que o exame lógico sugeria. Então, a lógica foi revista, erros encontrados e a teoria ajustada. Isso ocorreu com a reencarnação, por exemplo.

Assim como a lógica, também sabemos que o senso comum valida ou rejeita teorias, mas não estabelece verdades absolutas; mas, sendo um auxiliar da lógica, ajuda a estreitar mais ainda o leque de opções. Aplicamos o senso comum conhecendo as suas vantagens e riscos, e não entendemos que superestimamos o seu valor. Sabemos que a verdade nem sempre é democrática e que esse senso pode nos enganar. Mas, ainda assim, preferimos o risco controlado do engano à estagnação cética, que nada examina, que nada teoriza. Infelizmente, não nos apresentaram ferramentas melhores para controlar os ensinos que não podemos observar diretamente. Ao mesmo tempo, nos recusamos a trocar a possibilidade de errar pela certeza de errar, pois ignorar ou rejeitar, a priori, teorias válidas é estagnar-se perante o progresso; e isso é certeza de erro.

A ciência também pratica o senso comum. A evolução darwiniana é ensinada nas escolas e universidades como se fosse um fato, embora não haja consenso sobre muitos pontos; a teoria do big-bang é ensinada com base no mesmo senso comum de alguns cientistas; e assim, várias matérias referentes à medicina, à biologia, à economia, etc... Tudo fruto do senso comum de um grupo de cientistas e professores que, por razões diversas, justas ou nem tanto, resolveram ignorar as opiniões divergentes no ensino e adotar as concordâncias. Se há abuso no uso do senso comum, pensamos que ele não ocorre só do nosso lado.

Uma crítica que poderia ser feita a esse pensamento e que já nos antecipamos em responder é: "Se o senso e a lógica não estabelecem verdades, por que o Espiritismo considera certos ensinamentos, que sobrevivem a estes exames, como princípios estabelecidos?" A resposta é: "Porque de todas as teorias existentes, somente uma possibilidade de verdade restou. Então ela é aceita mesmo sem ter sido constatada diretamente." A reencarnação é um belo exemplo de onde isso ocorreu.

citação:
Ciência: Há grande discussão em torno da filosofia da ciência quanto à questão da melhor metodologia para o estabelecimento de novos conhecimentos (refutabilidade, crise de paradigmas, etc).

Espiritismo: O conhecimento espírita ainda é majoritariamente indutivo, baseado em moldes científicos do século XIX (positivismo).

Mais ou menos. Em alguns casos a falseabilidade é usada. Na afirmação "existem espíritos", concordamos que não há como falsear. Mas na afirmação contrária "espíritos não existem", podemos falsear, e já estamos num estágio em que podemos afirmar que isso já foi vitoriosamente feito.

Contudo, devemos também ser sinceros em admitir que nem todas as teses fundamentais espíritas são falseáveis, senão em sentido reverso, como no exemplo acima, e que ainda não foi possível fazê-lo de forma que não restem dúvidas aos mais céticos. Muitos princípios enunciados pelo Espiritismo não são passíveis de observação. Esses casos caem no processo acima, ou seja, a lei é enunciada, confronta-se com os conhecimentos científicos já estabelecidos, aplica-se exame lógico e aplica-se o controle universal. Não temos outra forma de fazê-lo. Uma vez obtidas as conclusões possíveis, ou, no caso espírita, a conclusão possível, aceitá-la torna-se uma questão de foro íntimo. Essa é uma das razões de o Espiritismo ainda ser considerado crença e não uma verdade estabelecida. Não consideramos isso uma desvantagem, mas uma característica.

O método indutivo também é, a nosso ver, excessivamente criticado pelos céticos. Há certo exagero na condenação do método indutivista e, embora ele não possa nos conduzir necessariamente a verdades absolutas (embora também possa), ele pode nos conduzir a verdades práticas. Física Clássica que o diga.

Então, não negamos que o método indutivo seja pelo Espiritismo bastante utilizado. Mas não concordamos que esse método seja assim tão ultrapassado quanto querem fazer crer.

citação:
Ciência: Teorias inverificáveis, mas belas, são postas de lado.

Espiritismo: Persiste a presença de hipóteses "ad hoc" inverificáveis para sustentar pontos nebulosos da doutrina. (ex: vida "invisível" em outros planetas)

Espero que o nosso caro contraditor, ao dizer "postas de lado", não tenha intencionado dizer "descartadas", pois, caso contrário, teria cometido um erro crasso. Não se pode simplesmente descartar o que não se pode verificar. As hipóteses válidas, mas inverificáveis, são mantidas "em suspenso", até que se possa verificá-las ou falseá-las.

Quanto às hipóteses chamadas "ad hoc", elas incomodam tanto do lado de lá como do lado de cá. A Igreja, não podendo negar as comunicações espirituais, pois isso seria negar o que ocorre em seu próprio seio, diz que tudo o que acontece de "sobrenatural" fora da Igreja é o demônio se manifestando e se disfarçando de "anjo de luz". Ao serem apresentadas aos céticos, por exemplo, as razões porque Chico Xavier e William Crookes não poderiam ser charlatães, hipóteses "ad hoc" ridículas sugerem que eram charlatães, levantando dúvidas, a nosso ver, sem fundamento, sobre suas respectivas honorabilidades. Não podemos provar, a não ser pelo raciocínio, que essas últimas hipóteses não se sustentam. Mas a própria lógica é posta em cheque. E o controle universal, então? Será que não haverá um meio 100% seguro de se chegar à verdade num caso específico? Pensamos que, infelizmente, não. Usamos a lógica e o CUEE para tentar diminuir bastante nossas chances de erro. Mas 100% seguro, todo o tempo, ninguém está.

Se os "ad hocs" são possíveis, é porque a verdade ainda não foi encontrada. Logo, tenhamos paciência e esperemos...

citação:
Ciência: Apropriações entre ramos da ciência (malthusianismo no darwinismo, biologia na sociologia – darwinismo social, eugenia) hoje são vistas com reservas.

Espiritismo: Apropriações correntes são feitas sem garantia de que são válidas (ação e reação, noções de mecânica quântica, etc.)

Isso depende do olho do observador. Aos nossos olhos, analogias interdisciplinares são feitas com prudência no Espiritismo, embora nem tanto pelos espíritas. A ação e reação espírita, por exemplo, é uma lei moral e em nenhum momento é dito que se comporta como a ação e reação newtoniana. Aliás, Kardec nunca citou Newton quando escreveu sobre ação e reação. Já a Mecânica Quântica nem existia ao tempo de Kardec.

Teríamos que analisar caso a caso essas "apropriações" para formar juízos particularizados.

citação:
Ciência: Ciências que não têm acesso direto ao seu objeto de estudo (astronomia, história, etc.) lançam mão da análise indireta dos efeitos que chegam até nós. (espectro de luz, documentos históricos).

Espiritismo: Pede um lugar "especial" entre as ciências por não ter acesso direto ao seu objeto de estudo (espíritos).

He he... Essa é boa!!! Então, nós também não lançamos mão da análise indireta dos efeitos que chegam até nós? E as obras psicografadas, que são as provas materiais mais fortes que existem sobre a existência espiritual? E a análise dos testemunhos oculares? E as fotografias e filmagens, algumas até disponíveis em artigos publicados em periódicos científicos? Não precisamos ver os espíritos para neles crermos, pode estar certo. Se não crêem nessas evidências, se precisam de mais, é um problema que lhes cabe. Mas não podem dizer que não fornecemos material indireto de estudo e pesquisa.

O Espiritismo não pede e não goza de nenhum privilégio que não seja também concedido às ciências ordinárias.

citação:
Ciência: Orações, Meditação e estados alterados de consciência são passíveis de estudo, mas isto não significa que seja verdade aquilo que seus praticantes dizem.

Espiritismo: Verdades podem ser extraídas de "estados alterados de consciência", vulga mediunidade. Contudo, nenhuma proposta rigorosa para a separação do joio e do trigo foi apresentada.

Será que nosso caro contraditor nunca leu O Livro dos Médiuns? Mais uma vez é uma questão de aceitação ou rejeição de metodologia. Se não aceita a metodologia de separação do joio do trigo proposta em O Livro dos Médiuns, é um direito inalienável seu. Mas não diga que não foi apresentada proposta, que nada mais é do que o confronto com os dados positivos já adquiridos, a lógica e o CUEE, como já dito anteriormente. Entendemos que esses métodos não estabelecem verdades absolutas, mas estabelecem pelo menos hipóteses sólidas. Se nos apresentarem melhores métodos, mas realmente melhores, aceitaremos alegremente.

Mas há que se fazer também certa justiça à crítica, pois se vêem freqüentemente teorias esdrúxulas sendo aceitas por espíritas que confiam quase que cegamente em supostos "guias".

citação:
Ciência: Não faz afirmações morais. Descobertas podem, inclusive, entrar em choque com a moral vigente.

Espiritismo: Produz cartilhas de certo e errado. Eufemismo são usados para se alegar que "não é bem assim..."

As afirmações morais são conseqüências diretas da constatação da existência dos espíritos e de seus diversos estados no mundo espiritual. Pela observação, descobriu-se que alguns espíritos são felizes e outros são desgraçados. Também a observação permitiu saber o que os levava a esses diversos estados. Ora, uma ciência que serve somente para descobrir coisas, mas não procura tirar nenhum proveito, não é ciência que se preze. Se não houvesse quem tirasse proveito dos conhecimentos da mecânica quântica não existiriam os transistores e os computadores modernos. Consegue imaginar um psicólogo que se limitasse a observar as patologias de seus pacientes sem nada propor para corrigir as distorções?

Então, as "cartilhas morais", como bem disse nosso caro contraditor, servem para orientar o modo de vida das pessoas de forma que possam tirar o máximo proveito possível da atual encarnação e progredir na escala evolutiva. As "cartilhas" não são impostas e, quem achar que há coisa melhor, é livre para virar o rosto. Mas o Espiritismo, como ciência, não pode continuar vendo as pessoas tropeçarem e não colocar ao menos um aviso de "pedra de tropeço à frente", ou "siga por aqui que é mais seguro". Isso seria omissão.

Como o autor não deixou ao menos subentendido a que tipo de Eufemismo se referia (embora imaginemos do que se trata), não nos sentimos obrigados a tentar refutar a afirmação, que, pelo menos no contexto atual, é vazia.

citação:
Bem, vamos por partes. Há espíritas importantes no movimento (ex.: Carlos Imbassahy) que já atentaram para o risco de considerar Kardec infalível, um verdadeiro receio em se distanciar da obra original. Ocorrem controvérsias mesmo em questões mais simples como nomenclaturas inapropriadas: "fluidos", "vibrações" e "magnetismo" são palavras cujo sentido se modificou tanto a ponto de o uso que é dados a elas na codificação se encontrar totalmente defasado. Há quem proponha mudanças por conta própria, outros preferem se apegar a uma espécie de tradição ou de consagração pelo uso. É defendido que parte da "atualização" está sendo feita por meio livros complementares, até como uma forma de não descaracterizar o espiritismo. Muito questionável devido ao fato de a primeira leitura recomendada continuar a ser o Pentateuco kardecista, e não as supostas correções e complementações. "A Origem das Espécies", de Darwin, ainda é uma obra de referência para estudantes de biologia, nem que seja para analisar o raciocínio do autor a partir da base que ele tinha. Entretanto, a apresentação ao darwinismo em seu estado original é apenas introdutória e logo eles apresentados ao que há de mais atualizado no campo de pesquisa. Stephen Jay Gould desenvolveu interpretações diferentes dos neodarwinistas de como se dava o processo evolutivo. Era um grande fã de Darwin! Seus ensaios são permeados por citações de seu mestre, mas Gould corria caminhos alternativos quando a interpretação convencional não era suficiente para ele. Nem por isso foi menos biólogo ou evolucionista de araque. Nem foi taxado de "gouldista". A possibilidade de pensamentos dissidentes em um campo científico é algo que falta ao espiritismo. Tudo bem que certas correntes trazem divergências bem destoantes, como os ramatistas; mas não é isto que está em jogo: é o medo de discordar do "mestre lionês" que faz dele uma espécie de Aristóteles moderno do espiritismo.

Como já dissemos, concordamos com o nosso caro contraditor quando diz que obras superadas devem ser apenas utilizadas como referência histórica. Faremos o mesmo com as obras kardequianas assim que elas se tornarem obsoletas.

Há também uma diferenciação a se fazer entre a Doutrina Espírita e seu adepto. A doutrina espírita é aquela contida nas obras kardequianas, e que se moldará com o tempo perante verdades adquiridas, e não perante hipóteses, pois, se o fizesse, a doutrina se suicidaria (A Gênese, cap. I, item 55). Gritem o quanto quiserem os inovadores, mas, se não trouxerem novidades positivamente comprovadas e aceitas, elas não farão parte da doutrina espírita. Isso vale para qualquer um, até mesmo para as colônias espirituais de André Luiz e as Almas Gêmeas de Emmanuel.

Mas dirão que "esse consenso não haverá nunca!!!". Discordamos, pois também um dia não foi consenso que a Terra girava em torno do Sol, e hoje é; um dia não foi consenso que a Terra era redonda e hoje é. À medida que o progresso científico for descortinando as verdades, o que era controverso vai se tornando unânime. É um processo demorado, concordamos, mas é assim que funciona com a ciência e é assim que funcionará com o Espiritismo. O Espiritismo prefere errar com suas hipóteses próprias a errar com as hipóteses alheias. Isso resolve a questão da doutrina.

Já o adepto, ou seja, aquela pessoa que professa a sua crença no Espiritismo dizendo "sou espírita", não precisa ficar restrita aos conhecimentos trazidos pela codificação. Se suas convicções solicitarem, ele pode partir para outros campos investigativos, como a apometria, o reiki, a cromoterapia, as transcomunicações e até aderir e investigar outras correntes como a Umbanda, as crenças orientais, o candomblé e até a magia-negra, se quiserem. Só temos algumas observações a fazer a respeito:
  1. Ninguém pode legalmente proibir ninguém de se declarar espírita;
  2. Mesmo não sendo proibido, consideramos um contra-senso alguém se declarar espírita e se utilizar de práticas ou ensinos que contrariem os ensinamentos espíritas. Ter essa opinião não nos parece uma demonstração de preconceito, mas um conceito obtido através da comparação entre o que diz ou faz o adepto e o que diz a doutrina;
  3. Para os que crêem ou se utilizam de coisas contrárias à moral espírita, como a magia-negra, por exemplo, e ainda assim se auto-intitulam espíritas, classificaremos necessariamente como "espíritas experimentadores" (aqueles para os quais a moral espírita nada vale), "espíritas imperfeitos" (aqueles que compreendem mas não praticam a moral espírita), ou ainda "espíritas exaltados" (aqueles cujo excesso de credulidade os leva a ser enganados por mistificadores) (ver O Livro dos Médiuns, cap.III, primeira parte – O Método, item 28);
  4. Para os adeptos que pratiquem ou ensinem coisas contrárias ao Espiritismo ou, ainda, coisas que a doutrina não é a favor nem contra, diremos que são adeptos praticando coisas não-espíritas. Isso parece uma qualificação pejorativa, mas não é. É absolutamente normal alguns espíritas serem adeptos do vegetarianismo, por exemplo, enquanto a doutrina não aprova nem reprova tal atitude. Os espíritas não precisam ficar "bitolados" ao Espiritismo;
  5. As pessoas são livres para se auto-intitularem espíritas. Mas desde que elas não o façam, consideramos leviandade e má-fé da nossa oposição apontar para praticantes de magia-negra, por exemplo, e dizer "são espíritas". Só podemos lamentar os que têm esse tipo de atitude para tentar denegrir o Espiritismo e os espíritas, e o que eles fazem serve mais de propaganda pró-espírita do que prejudica o movimento;
  6. O adepto, enquanto espírita, é livre para investigar quaisquer outras teorias não-espíritas. O adepto só não deve é chamar essas outras teorias de "espíritas", porque aí falta com a verdade e é considerado um falso-irmão. As teorias não precisam do aval do Espiritismo para se desenvolverem, não perdem nada em serem chamadas de não-espíritas e a doutrina é, ao mesmo tempo, resguardada contra eventuais erros. Só os orgulhosos e interesseiros não enxergam isso.
  7. O adepto é livre para questionar todos os preceitos espíritas e suas dúvidas devem ser racionalmente respondidas pelo Espiritismo. Mas se não se satisfizer por qualquer razão e concluir, por exemplo, que um princípio fundamental, como a reencarnação, não existe, pensamos que o Espiritismo se torna imediatamente uma crença inadequada para se professar, pois não existe Espiritismo sem reencarnação. Não se pode proibir, entretanto.
  8. Ser espírita não é critério de salvação para ninguém. O Espiritismo diz que só a caridade "salva". Se alguém tem discordâncias fortes com a doutrina espírita, julgamos que devesse professar outra crença ou nenhuma crença específica, com maior proveito do que se prender aos limites doutrinários. Ao Espiritismo interessam adeptos que, pelo menos, aceitem seus princípios fundamentais, especialmente os morais. Desapegando-se da doutrina, o ex-adepto é livre para professar outros sistemas divergentes e ainda manter coerência ideológica consigo próprio, além de passar a poder aproveitar parcialmente os princípios espíritas com que concorda.
  9. E, por fim, todo adepto que se considera sério deve zelar pela integridade da doutrina, ainda que não concorde com alguns de seus pontos. Quem não o faz dá demonstrações de orgulho e egoísmo, porque não teme em comprometer os outros irmãos pelos erros que possa cometer. O verdadeiro adepto é aquele que assume os erros para si e os acertos para a causa espírita.
Com esses esclarecimentos, esperamos ter respondido a acusação de que somos estagnados na teoria kardequiana e não somos capazes de enxergar nada além.
citação:
Kardec depositava fichas demais na lógica. Ela é importante sem dúvida e tê-la é um requisito mínimo. Mas quem a estuda não demora a descobrir que ela não tanto poder assim como dizem. Ela não pode ser usada para atestar a falsidade ou verdade de um fato natural. A validade de uma proposição depende do sistema de axiomas que se tem como ponto de partida. Assim, o que é falso num sistema pode ser verdadeiro em outro. E você não sabe, a priori, quais são os axiomas que a Natureza "adota" em determinado campo, sem falar nas proposições indecidíveis que todo sistema axiomático fatalmente carrega (Teorema de Gödel). Nas palavras do filósofo da ciência, Karl Popper:

Contudo, há não muito tempo sustentava-se que a Lógica era uma Ciência que manipula os processos mentais e suas Leis - as leis do nosso pensamento. Sob esse prisma, não se podia encontrar outra justificação para a Lógica, a não ser na alegação de que não nos é dado pensar de outra maneira. Uma inferência lógica parecia justificar-se pelo fato de ser sentida como uma necessidade de pensamento, um sentimento de que somos compelidos a pensar ao longo de certas linhas. No campo da Lógica, talvez se possa dizer que essa espécie de psicologismo é, hoje, coisa do passado. Ninguém sonharia em justificar a validade de uma inferência lógica, ou defendê-la contra possíveis dúvidas, escrevendo ao lado, na margem, a seguinte sentença: 'protocolo: revendo essa cadeia de inferências, no dia de hoje, experimentei forte sensação de convicção'." (A Lógica da Pesquisa Científica).

A lógica é uma ferramenta, apenas. Com ela pode se dizer se um raciocínio foi bem encadeado e um sistema é consistente ou não, isto é, se não se contradiz. Mesmo, que eles passe por este teste, ainda não está garantido que a Natureza não se comporte através de outro arranjo. Os gregos antigos fizeram inúmeras especulações acerca de como o universo funcionava. A maioria, palpites errados.

Esse assunto já foi tratado mais acima. Só reforçamos que a metodologia da lógica não é imperfeita, mas, como bem disse o nosso caro contraditor, os axiomas usados como base é que podem não ser absolutos. O erro não está na lógica. Nesse caso, estamos tão de mãos atadas quanto a ciência. E assim como a ciência, que se apóia em axiomas transitórios capazes de nos conduzir a verdades práticas, também assim o faz o Espiritismo.

Só pedimos atenção para o fato de que não estamos considerando os nossos axiomas transitórios, mas apenas considerando que podem ser transitórios. Cremos que muitos de nossos axiomas, que aqui dizemos poderem ser transitórios, são de fato absolutos, como aquele que diz "Fora da Caridade não há Salvação". Consideramos muito difícil que esse axioma seja um dia derrubado, assim como consideramos quase impossível que o axioma "existe vida inteligente em outros mundos fora da Terra" não seja algum dia confirmado.

Ainda aqui o Espiritismo está em pé de igualdade com a ciência; com as mesmas dificuldades e com os mesmos tipos de soluções.

citação:
Bom senso é, de certa forma, uma redundância, pois ter senso já é muito bom. Situado em algum lugar entre um raciocínio linear e a intuição, ele também esconde suas armadilhas. O senso comum de um povo pode diferir de outro, assim como o juízo feito em determinada época se revelar equivocado na seguinte. Esta subjetividade aliada às sutilezas que a Natureza fazem do "bom senso encarnado" um contra-senso metodológico. Um exemplo:

A diversidade das raças corrobora, igualmente, esta opinião, O clima e os costumes produzem, é certo, modificações no caráter físico; sabe-se, porém, até onde pode ir a influência dessas causas. Entretanto, o exame fisiológico demonstra haver, entre certas raças, diferenças constitucionais mais profundas do que as que o clima é capaz de determinar. O cruzamento das raças dá origem aos tipos intermediários. Ele tende a apagar os caracteres extremos, mas não os cria; apenas produz variedades. Ora, para que tenha havido cruzamento de raças, preciso era que houvesse raças distintas. Como, porém, se explicará a existência delas, atribuindo-se-lhes uma origem comum e, sobretudo, tão pouco afastada? Como se há de admitir que, em poucos séculos, alguns descendentes de Noé se tenham transformado ao ponto de produzirem a raça etíope, por exemplo? Tão pouco admissível é semelhante metamorfose, quanto a hipótese de uma origem comum para o lobo e o cordeiro, para o elefante e o pulgão, para o pássaro e o peixe. Ainda uma vez: nada pode prevalecer contra a evidência dos fatos.

(LE, cap III, ítem 59)

Há um acerto na questão que cronologia que realmente curta demais para permitir variabilidades sensíveis entre as espécies. Porém, o encadeamento lógico desanda quando generaliza para todo caso e qualquer intervalo de tempo. Kardec usou o senso que tinha, mas a verdade subjacente à origem e diversidade das espécies precisa das noções de evolução e mutações, que não são intuitivas.

Especulações à parte,o espiritismo ainda possui problemas quantos à maneira de agregar o "conhecimento" que colhe. Ele ainda está impregnado pelo modismo intelectual do século XIX: o positivismo. Antes que se realce as características materialistas deste sistema filosófico que pretendia reformar a sociedade e terminou por querer criar a "religião da humanidade", deve-se lembrar de que ele também era uma teoria da ciência, e foi esta a parte que inspirou a metodologia kardecista. Em linhas gerais, pode-se dizer que o positivismo e suas escolas derivadas (empirismo lógico, Círculo de Viena, etc) baseavam seus critérios na verificabilidade de uma teoria. Um enunciado seria científico se pudesse ser sucessivamente confirmado empiricamente. A não ocorrência do enunciado estabeleceria sua falsidade. De fato, a noção de "Consenso Universal dos Espíritos" nada mais é do que esta busca de contínua verificação. Quanto médiuns ao redor do mundo dessem a mesma resposta a uma pergunta, maiores as chances de ela ser verdadeira. Mas daí vêm alguns problemas- "o quanto de comunicações seria necessário para se dizer 'é o bastante'?", "o que fazer com as respostas destoantes?", "rejeitá-las, simplesmente?", "se podem haver influências do médium na comunicação, não se deveria espalhar os questionários por diversos locais distantes do globo – não apenas no universo europeu- para garantir que não houve influência cultural ?".

As questões do senso comum e o controle universal do ensino dos espíritos (CUEE) já foram tratados mais acima. Não estabelecem verdades, mas diminuem as chances de erros. Quando não temos a verdade absoluta podemos aderir aos sistemas que consideramos mais lógicos e aceitos. Os nossos sistemas provieram através da observação e da revelação, amparados pelo exame lógico e pelo consenso universal. Pelo menos aos nossos próprios olhos, aderimos a um sistema (O Espiritismo) que não tem contradições internas. É claro que já tentaram confrontar algumas declarações de Kardec a respeito das raças, das guerras e das diferenças com o ensino moral proposto pela doutrina, mas nenhuma dessas objeções ainda conseguiu evidenciar uma contradição interna. Estamos esperando.

Temos absoluta convicção de que muitos sistemas que, da mesma forma que o Espiritismo, também circulam por aí, sem comprovação absoluta, não passam pelo critério da não contradição interna. Nem mesmo o próprio materialismo, com todo o seu cientificismo, escapa à regra, pois não consegue explicar (até onde sabemos) o livre-arbítrio e a metafísica, que são fatos observáveis e que em princípio se contrapõem às leis do mundo material.

Quando escolhemos o Espiritismo como crença não foi porque ele continha todas as verdades absolutas, que ninguém, aliás, tem, mas porque é considerado por nós o sistema mais lógico e racional existente na Terra (dentro de tudo o que já observamos). Dizer isso não é nenhuma demonstração de vaidade, orgulho ou presunção, pois, se admitíssemos que o Espiritismo não é o mais lógico e racional, teríamos que apontar qual então o era e estaríamos sendo incoerentes por não aderi-lo. Pode ser demonstrado um erro futuramente no Espiritismo? Sim! Temos absoluta convicção disso. Mas, ainda assim, preferimos aderir a um sistema com maiores probabilidades de acertar do que aderir aos que estão certamente em erro ou que têm menos probabilidades de acertar; ou ainda não aderir a nada, numa posição cômoda de não comprometimento com a análise, como fazem os céticos.

citação:
Uma maneira simples de questionar a verificabilidade seria indagar se, pelo fato de todos os cisnes de um zoológico serem brancos, todos os membros da espécie também o são. Poder-se-ia sair numa busca frenética atrás de todos os cisnes do mundo e cada novo animal branco reforçaria a hipótese, tornando-a mais "verdadeira", mais "provável". Simples engano, pois bastaria um único exemplar de cor diferente para derrubar a teoria. Infelizmente, o suposto caçador de cisnes brancos se desiludiria ao percorrer a Austrália, onde cisnes negros foram encontrados pela primeira vez...

Já foi dito mais acima que observações parciais podem nos conduzir a verdades práticas, quando não absolutas.

citação:
Esta forma indutiva de fazer ciência recebeu dura crítica do filósofo da ciência Karl Popper que, divergindo dos neopositivistas dos quais fazia parte, propôs a falseabilidade (ou refutabilidade empírica) como novo critério para a demarcação da cientificidade de um enunciado. O que distingue uma ciência da pseudo-ciência é a capacidade de a primeira ser refutada com base na experiência. Uma teoria é válida quando resiste à refutação, podendo, então, ser confirmada. Esta mudança de postura foi imensa e atividade científica passou a buscar não a confirmação de suas próprias teorias, mas justamente o contrário: derrubá-las. Afinal, quem merece mais crédito: um cidadão que testou mil vezes os postulados da mecânica clássica ou um que lhes determinou um limite de validade? Lembra de Einstein?

Não concordamos absolutamente com essa proposição que, como já dissemos, só se aplica à realidade observável e praticamente extingue o processo de teorização, de abstração. Não podemos falsear a hipótese de que existe vida em outros mundos, não podemos falsear a teoria da reencarnação, mas elas não podem se tornar cientificamente inválidas por causa disso, até porque são axiomas bastante prováveis, pelo que já foi observado. Chamar essas teorias de pseudocientíficas é tão leviano como aceitá-las cegamente e sem exame.

Vários ramos da ciência, como a psicologia, a economia, a psiquiatria, a medicina e outras, dependem ainda do método indutivo para avançarem. Um exemplo claro é quando os médicos disseram que não haveria possibilidade de contágio da AIDS pela convivência, pelo aperto de mãos, pelo beijo, pelo abraço, etc... E se houvesse uma variação não observada no método de contágio; ou uma variação do vírus? É indutiva essa informação e, no entanto, foi divulgada (a nosso ver acertadamente, pois se evitou muito sofrimento por causa do risco de segregação). Então, existe um limite prático, subjetivo, para a aplicação da falseabilidade e da repetibilidade na ciência ou o descarte do indutivismo. Karl Popper é apenas mais um que opinou em nome da ciência; as opiniões dele são válidas, mas não têm mais valor que as outras e também têm o seus limites de aplicação.

Infelizmente alguns céticos não enxergam isso e não avaliam muito bem antes de aceitar uma inovação ou rejeitar métodos que consideram ultrapassados e retrógrados. Para derrubar um edifício é sempre bom lembrar que é necessário construir outro que o substitua. Popper não preenche as lacunas decorrentes da extinção do indutivismo.

As teorias espíritas são, em grande parte, obtidas a partir do indutivismo, e não é por culpa do Espiritismo; quisera ele poder usar os métodos popperianos, sempre. Mas não é possível e, ao mesmo tempo, não podemos abrir mão de ensinamentos que são praticamente óbvios e não contraditórios entre si. Então, preferimos correr o risco de erro no uso da racionalidade e da lógica, provenientes da observação amostral que temos acesso, do que não racionalizar em momento algum.

citação:
Nesta parte os continuadores de Kardec deixam a desejar. Há um receio, ou talvez temor, em se arrumar uma maneira de por à prova o que está escrito no Pentateuco. Enfoca-se mais a parte filosófica-doutrinária, que se mantém quase sem arranhões justamente por não ser passível de refutação, e se subestima os erros e equívocos que se revelam por serem minoria dentro do corpo doutrinário. Mas são estes "acessórios falhos" que englobam aquilo que nós seres materiais podemos ter acesso e verificar por conta própria. São eles que lançam dúvidas sobre as partes referentes ao "lado de lá". Por isto penso que o pior lugar para se discutir o espiritismo é dentro de um centro espírita, o mesmo vale para debates dentro de igrejas,partidos políticos e times de futebol. Neste locais sempre se busca um consenso, nem que seja à força. Embates que gerem novas idéias aparecem mais quando antagonistas se chocam. É irônico dizer isto, mas os detratores do espiritismo, desde de cristãos radicais até materialistas (e muitos me incluiriam neste bojo, também), lhe prestam um grande favor. São eles que, por vias tortas, desempenham um papel que deveria ser dos próprios espíritas. "Ciência também erra", diriam os críticos. Concordo, os cientistas erram e uns vão atrás dos erros dos outros, pois sabem que neles está a mola propulsionadora para o progresso. Uma atitude perante ao erro melhor do que uma postura defensiva.

O centro espírita é um lugar de estudos, principalmente, e não um lugar de embates ideológicos. Até seríamos a favor que se abrisse um evento específico para isso, semanal, mensal, bimestral, etc., dentro do centro; mas pensamos que os fóruns de discussão pela Internet cumprem bem melhor esse papel e com vantagens. Depois, cada um, após trocar as suas farpas em fóruns, leva a sua experiência para o seu centro específico de estudos.

Como já foi dito, o centro é um local de estudos e para tal deve haver um mínimo de consenso, sob o risco de as atividades ficarem prejudicadas. Nas palestras, vamos para ouvir o ponto de vista do palestrante e seria improdutivo ficar contestando-o o tempo todo. Nas atividades normais também, como as mediúnicas, deve haver uma diretriz básica de como as coisas funcionarão e contestações a toda hora perturbam os trabalhos. Há o tempo e local somente de ouvir, o tempo e local de fazer e o tempo e local de contestar.

Mas, se os antagonismos não ocorrem dentro dos centros a toda hora, os antagonismos entre casas ocorrem. Nos referimos aqui aos antagonismos salutares, aqueles resultantes da divergência de opinião e não da maledicência recíproca. Se as pessoas pensam muito diferentemente, são incentivadas a fundarem os seus próprios centros ou grupos de estudo e lá desenvolverem suas atividades como julgarem conveniente. Sobre isso Kardec escreveu:

A dificuldade, ainda grande, de reunir crescido número de elementos homogêneos deste ponto de vista, nos leva a dizer que, no interesse dos estudos e por bem da causa mesma, as reuniões espíritas devem tender antes à multiplicação de pequenos grupos, do que à constituição de grandes aglomerações. Esses grupos, correspondendo-se entre si, visitando-se, permutando observações, podem, desde já, formar o núcleo da grande família espírita, que um dia consorciará todas as opiniões e unirá os homens por um único sentimento: o da fraternidade, trazendo o cunho da caridade cristã. (grifos nossos) (O Livro dos Médiuns, cap. XXIX - DAS REUNIÕES E DAS SOCIEDADES ESPÍRITAS - Das Sociedades propriamente ditas)

Logicamente que Kardec não recomendou a difusão de pequenos grupos porque esses grupos iriam todos pensar da mesma forma. Nada contra os grupos grandes, mas é bem mais difícil conseguir consenso em grupos maiores. Ele sabia que haveria dissensões e sugeria que preferível era haver dissensões externas que internas, como foi dito acima. Se alguém diz "queremos fazer diferente; não concordamos com a linha de pensamento atual", então se recomenda que forme o próprio grupo, faça as experiências conforme lhe convier e depois partilhe os resultados para que os outros grupos possam aproveitar o seu sucesso ou insucesso. Dessa forma, todos os grupos tenderão a resolver seus problemas de forma amistosa, com cada um respeitando o direito de opinião do outro. Isso funciona bem para grupos que visam mais o bem da causa que o próprio sucesso ou insucesso.

Na ciência também vemos o mesmo acontecer. No século passado tínhamos o grupo de Edson e o grupo de Tesla. Edson defendia o uso da corrente contínua; Tesla defendia o uso da corrente alternada. Quem trabalhava com Edson supostamente se esforçava para fazer a corrente contínua prevalecer em eficácia e eficiência. Quem trabalhava ao lado de Tesla fazia o mesmo com a corrente alternada. Havia antagonismo externo, mas consenso interno; e cada qual desenvolvia seus trabalhos da melhor forma possível, sem distúrbios. Quando os trabalhos eram publicados, cada grupo aproveitava as experiências do outro e quem ganhou no final das contas foi a Humanidade. É claro que Edson se ressentiu quando sua proposta foi preterida, numa atitude absolutamente infantil e antifraternal, mas isso não vem ao caso. Os grupos não devem se ressentir quando outro obtém melhores resultados, usando métodos antagônicos aos seus, mas aproveitar a experiência e corrigir a sua rota. Infelizmente ainda não atingimos esse "estado da arte". Mas chegaremos lá.

Quanto ao que disse acima o nosso caro contraditor, que nossos antagonistas nos prestam um grande favor, concordamos em gênero, número e grau. Infelizmente muitos enxergam a crítica num sentido depreciativo, mas os nossos críticos enxergam melhor os nossos defeitos que nós mesmos e são grandes auxiliares no nosso progresso. Nosso contraditor diz ainda que o papel de criticar o Espiritismo caberia aos espíritas. Até concordamos, mas a principal função dos apologistas é defender a idéia e não condená-la. A obrigação de condenar uma idéia é de quem não concorda com ela. Os papéis, portanto, estão nos seus respectivos lugares. E dessa luta entre os críticos e os apologistas, a vitória será da Humanidade, que ficará com as teses que tiverem mais solidez.

A crítica ainda nos fornece a oportunidade de colocar nossas convicções à prova, nos fazendo adquirir experiência na tentativa de respondê-las. O que não apreciamos, contudo, são as críticas caluniosas e as mentiras que muitos usam contra o Espiritismo na intenção de denegri-lo. Infelizmente elas são muito comuns ainda hoje e temos que lidar com isso.

Não concordamos que deixamos a desejar no aspecto evolutivo da doutrina. Se não mudamos a teoria espírita ainda é porque ainda não vimos motivos para mudanças. A nossa opinião a esse respeito é totalmente consciente.

citação:
Há críticas, porém, à aplicação da refutabilidade a ferro e fogo. Popper mesmo admitiu a possibilidade de se utilizarem hipóteses auxiliares específicas para se contornar uma dificuldade prática (ad hocs). Um exemplo tradicional ocorreu na astronomia do século XIX: as observações da órbita do planeta Urano não batiam com o previsto pela teoria da gravidade de Newton. Cogitou-se a presença de um outro planeta ainda não descoberto estaria interferindo em sua órbita e até se previu sua possível posição. Assim, Netuno foi descoberto e confiança na Gravitação Universal restaurada. Baseado nesta e outras avaliações históricas, Thomas Kuhn postulou que boa parte do tempo é gasta pelos pesquisadores na avaliação das previsões de teorias e na reconciliação dos dados discrepantes. Somente quando a quantidade de remendos chegasse a um nível crítico, ocorreria a crise de paradigmas, na qual pressupostos antigos são postos em cheque e novos são criados. Voltando às órbitas planetárias, pela mesma época da descoberta de Netuno, tentou-se justificar as irregularidades na órbita de Mercúrio pela presença de um planeta entre ele e o Sol, que foi chamado Vulcano. Ninguém conseguiu encontrá-lo e o incômodo só foi resolvido com a introdução da Relatividade Geral de Einstein, uma nova teoria de gravitação que deu uma explicação satisfatória para este e outros fenômenos.

O problema da obra de Kuhn é que não há uma definição precisa para "paradigma" (o cerne de seu trabalho) e ele mesmo admitiu que perdeu controle do uso do termo. Mesmo questionando Popper, de forma alguma defende o retorno ao indutivismo lógico dos neopositivistas. E afinal, seria possível reconciliar o espiritismo com o que diz a ciência por meio de hipóteses auxiliares?

Não entendemos que haja hoje conflitos entre o que diz a ciência positiva e o Espiritismo. A ciência, embora não concorde e não aceite muitas das teses espíritas, não conseguiu refutá-las sequer com uma contra-teoria melhor e, ainda menos, com fatos.

É estranho também o fato de Kuhn criticar Popper, não sugerir a volta ao indutivismo, nem também indicar um método melhor que substitua ambos. Isso nos faz crer mais ainda que o indutivismo não é tão ultrapassado quanto se apregoa e ainda tem a sua utilidade na ciência moderna. Que nos indiquem métodos melhores de trabalharmos nossas teorias e as abraçaremos com satisfação. Mas não eliminem uma metodologia sem propor outra melhor, pois isso estagnaria o progresso. O indutivismo ainda pode ser usado de forma delimitada e controlada, com bastante êxito nos dias atuais. Essa é nossa opinião.

citação:
Bem, vale lembrar que há critérios no uso de ad hocs. Eles também tem de ser passíveis de corroboração. Um caso emblemático ocorreu com Galileu, quando ele verificou em sua luneta que a superfície da Lua era irregular e cheia de crateras e montanhas. Isto contrariava as idéias de Aristóteles ainda vigentes na época segundo as quais a Lua seria perfeitamente esférica e lisa . Os neo-aristotelistas partiram em defesa do antigo mestre e disseram que o espaço entre as montanhas estava preenchido por uma substância invisível, que não podia ser detectável aqui da Terra. Com isso garantiam qualquer chance de refutação seria impossível. Galileu, muito inteligentemente, endossou a presença de tal misteriosa substância, porém com uma diferença: ela se acumularia no topo das montanhas, tornando a superfície do satélite ainda mais irregular. Que os seguidores de Aristóteles provassem que ele estava errado! Ele mostrou que suposições ad hoc são capazes de provar qualquer hipótese, até as opostas. Este tipo de argumento pode ter até senso, mas pouco valor se não houver nenhuma maneira de testá-lo. Do contrário haveria um verdadeiro jogo de desonestidade intelectual: se der cara eu ganho, coroa você perde.

As hipóteses "ad hoc" incomodam tanto a oposição quanto os apologistas de qualquer idéia. Reconhecemos que às vezes encontramos coisas no nosso próprio meio que nos parecem abusos. Mas infelizmente há muito pouco a se fazer, a não ser tentar justificar o porquê de as hipóteses não serem possíveis ou pouco prováveis. Essas hipóteses serão substituídas com o tempo pela verdade dos fatos, que a ciência vai descortinando, ao mesmo tempo em que outras hipóteses "ad hoc" surgirão para justificar outros pontos de vista que ainda não poderão ser comprovados sob as novas condições do conhecimento.

Mas não é somente o movimento espírita que eventualmente abusa dos "ad hoc". A postura cética também não faz melhor. Ao serem confrontados os dados de Chico Xavier e William Crookes, só para dar dois exemplos, onde se justifica o porquê de não poderem ter sido charlatães, as hipóteses "ad hoc" mais esdrúxulas são criadas para colocar em dúvida a moral de ambos. Se há critérios de uso dos "ad hoc" do lado de cá, deve haver também do lado oposto.

citação:
Aí que reside o erro de boa parte das defesas argumentativas do espiritismo: no abuso de ad hocs fracos. Podem até dar uma aparente capa de racionalidade, mas estão próximos demais a um comportamento pseudocientífico ou, no mínimo, de má-ciência. Um dos mais problemáticos consiste na justificativa dada para explicar a ausência, até o presente momento, de vida inteligente em outros planetas deste sistema solar, mesmo após a investigação de sondas espaciais: os habitantes destes mundos seriam feito de uma matéria "sutil" e invisível aos nossos instrumentos. Não sei se há alguém brincando de esconde-esconde com os robozinhos que pousaram em Marte, se estes aterrissaram em cima de desertos, ou a civilização marciana se encontra no sub-solo. Enquanto nossos vizinhos não mostrarem a cara, esta afirmação continuará digna de estar sobre o mesmo pedestal de outras pérola do tipo: "a Terra tem apenas 6.000 anos, mas foi feita para parecer que tem 4,5 bilhões" ou "objetos inanimados possuem sentimentos, embora não sejam capazes de expressá-los".

Quanto à questão da vida inteligente em nosso sistema solar, vamos tecer algumas considerações a respeito:
  1. Essas teorias soam tão "místicas" para nós quanto para os mais céticos. Essa é uma primeira impressão, sem dúvida. Kardec, contudo, as considerou em suas obras como totalmente hipotéticas e se essas teorias caírem em face da observação dos fatos, o Espiritismo nada sofre em suas bases fundamentais.
  2. Apesar de as teorias parecerem estranhas, ainda não foram refutadas. Nós, os espíritas, seríamos levianos se não dispuséssemos essas comunicações à apreciação pública, com a justificativa de que não podiam ser comprovadas, quando não sabemos ainda se são falsas. O planeta Marte, por exemplo, segundo os cientistas, tem bastante gás metano na atmosfera, quando não deveria haver. Isso pode ser um indício de vida. Logo, as cartas ainda não estão todas na mesa. Precisamos esperar.
  3. A nossa opinião é que as teorias acerca da vida em Júpiter, Marte e outros planetas, contidas nas Revistas Espíritas especialmente de 1858 e 1859, devam ser divulgadas com reservas, sempre hipoteticamente. Alguns certamente não tomam esse cuidado na divulgação, talvez por não terem ainda confrontado a crítica discordante. Outros o fazem por puro fanatismo e apego demasiado à letra. Nós não prestamos solidariedade ideológica a esses grupos e deixamos a cada um a responsabilidade sobre o que ensina.
Para não haver dúvidas que Kardec considerava essas explicações hipotéticas, seguem abaixo duas citações:

"Estamos inserindo neste número da Revista, conforme havíamos anunciado, o desenho de uma habitação de Júpiter, executado e gravado pelo Sr. Victorien Sardou como médium, ao qual acrescentamos o artigo descritivo que teve a gentileza de escrever a respeito. Seja qual for, sobre a autenticidade dessas descrições, a opinião dos que nos poderiam acusar de nos ocuparmos do que acontece nos mundos desconhecidos, quando há tanto o que fazer na Terra,rogamos aos nossos leitores não perderem de vista que o nosso objetivo, como o indica o subtítulo da revista é, antes de tudo, o estudo dos fenômenos, nada devendo, portanto, ser negligenciado. Ora, como fato de manifestação, esses desenhos são, incontestavelmente, os mais notáveis, se considerarmos que o autor não sabe desenhar nem gravar, e que o desenho que oferecemos foi por ele gravado em água forte, sem modelo nem ensaio prévio, em nove horas. Supondo que esse desenho seja uma fantasia do Espírito que o traçou, o simples fato de sua execução não seria um fenômeno menos digno de atenção e, a esse título, cabe à nossa coletânea torná-lo conhecido, bem como a descrição que dele nos deram os Espíritos, não para satisfazer a vã curiosidade das pessoas fúteis, mas como objeto de estudo para quantos desejarem aprofundar-se em todos os mistérios da ciência espírita. Incorreria em erro quem acreditasse que fazemos da revelação de mundos desconhecidos o objeto capital da doutrina; para nós isso não constituiria senão um acessório, que julgamos útil como complemento de estudo. Para nós, o essencial será sempre o ensinamento moral, de sorte que procuramos, nas comunicações do além-túmulo, sobretudo aquilo que possa esclarecer a Humanidade e conduzi-la ao bem, único meio de lhe assegurar a felicidade neste e noutro mundo..." (grifos nossos) (Revista Espírita, ago/1858 - Observações a propósito dos Desenhos de Júpiter).

Mais abaixo, no mesmo número da Revista, temos:

"Se há um fato que gera perplexidade entre certas pessoas convencidas da existência dos Espíritos – não nos ocuparemos aqui das outras – é seguramente a existência de habitações em suas cidades, tal como ocorre entre nós. Não me pouparam de críticas: "Casas de Espíritos em Júpiter!... Que gozação!..." – Que seja, nada tenho a ver com isso. Se o leitor aqui não encontra, na verossimilhança das explicações, uma prova suficiente de sua veracidade; se como nós, não se surpreende com a perfeita concordância das revelações espíritas com os dados mais positivos da ciência astronômica; numa palavra, se não vê senão uma hábil mistificação nos detalhes que se seguem e no desenho que os acompanha, eu o convido a pedir explicação aos Espíritos, de quem sou apenas o instrumento e o eco fiel. Que ele evoque Palissy ou Mozart, ou outro habitante desse mundo bem-aventurado; que sejam interrogados, que minhas afirmações sejam controladas pelas suas; que, enfim, discutam com eles. Quanto a mim apenas apresento o que me foi dado, repetindo somente o que me foi dito. E, por esse papel absolutamente passivo, creio-me ao abrigo tanto da censura quanto do elogio." (grifos nossos) (Revista Espírita, ago/1858 - As Habitações de Júpiter)

Quanto aos outros "ad hoc" supostamente utilizados, teríamos que comentar caso a caso, pois não dá para fazer uma generalização e dizer que todos são abusos ou todos são legítimos. Não entendemos, contudo, que os abusos são tão grandes como nosso caro contraditor supõe. Já vimos muitos "ad hocs" ridículos para explicar incoerências em obras subsidiárias, mas encontramos poucos relativos à própria codificação espírita, que é a que nos interessa nessa discussão.

citação:
Outras afirmações especiais são um pouco mais sutis, dentro do cerne da metodologia. Informações disparatadas são desculpadas não como fruto de uma comunicação espiritual, mas do "psiquismo" do médium que colocaria idéias próprias como sendo de "outrem". Kardec, supostamente, não soube separar uma coisa de outras. Tal alegação apenas resolve os problemas das comunicações presentes e futuras, mas nada pode dizer quantos às que foram feitas no século XIX. Como se sabe onde houve contaminação da mente do médium ou não? Parodiando Galileu, digo que as afirmações até agora não refutadas foram feitas por cérebros encarnados, ao passo os erros pertencem apenas ao mundo espiritual. Provem que estou errado!

Ok. Já é um primeiro passo reconhecer a existência do mundo espiritual, ainda que entenda que só falem mentiras.

E se houve contaminação da mente do médium ou não, o que importa são as idéias e não o seu autor. Se as idéias forem lógicas e justas, podemos aceitá-las igualmente, mesmo que tenhamos dúvidas se houve ou não animismo. Mas há também a questão do controle universal do ensino dos espíritos. A mente do médium pode interferir numa comunicação aqui, mas não pode causar o mesmo tipo de interferência acolá. Há, portanto, alguns meios de se identificar o animismo. Não é perfeito, contudo.

citação:
A separação do joio do trigo nas comunicações, por sinal, ainda depende de uma metodologia precária, que remonta a Kardec. Pode ser que se estude os efeito de "estados alterados de consciência" sobre o cérebro com o mesmo aparato tecnológico usado para se verificar os efeitos da oração ou meditação. Agora, o que se extrairá disto só o futuro dirá. Dizer que alguém está tendo acesso a uma verdade superior só de olhar uma tomografia pode ser ambicioso demais no momento. Os critérios adotados são indiretos e foram assim catalogados por Herculano Pires em quatro pontos principais:

"1) Escolha de colaboradores mediúnicos insuspeitos, tanto do ponto de vista moral, quanto da pureza das faculdades e da assistência espiritual;

"2) Análise rigorosa das comunicações, do ponto de vista lógico, bem como do seu confronto com as verdades científicas demonstradas, pondo-se de lado tudo aquilo que não possa ser justificado;

"3) Controle dos Espíritos comunicantes, através da coerência de suas comunicações e do teor de sua linguagem;

"4) Consenso universal, ou seja, concordância de várias comunicações, dadas por médiuns diferentes, ao mesmo tempo e em vários lugares, sobre o mesmo assunto".
Acontece que:

1)Há um elevado grau de subjetividade aqui. Não há técnicas confiáveis para avaliar tais atributos em encarnados, que dirá da "assistência espiritual";

Quando se fala em "médiuns insuspeitos", refere-se obviamente àqueles que nunca foram pegos em fraudes, que não cobram por seus serviços, não trabalham com adivinhações baratas, que não mostraram sinais de aberrações ou desequilíbrios no passado, ou que, em caso tenham feito essas coisas, pelo menos se mostrem arrependidos, renunciando o passado e que já há algum tempo considerado seguro tenham demonstrado sinais de coerência doutrinária; enfim, aquele que se esforça por seguir os princípios espíritas concernentes à parte moral. Isso não garante, contudo, que aquele que até o presente momento se comportou bem vá continuar se comportando no futuro, mas, pelo menos, é uma tentativa de se evitar os embusteiros. O médium insuspeito não é necessariamente aquele que não se engana nas comunicações, mas aquele que não tem intenção de enganar sobre suas comunicações. É subjetiva essa escolha, como tudo o que concerne às ciências humanas.

citação:
2)Já foram ditas as deficiências da lógica em garantir se algo é verdadeiro ou não. Quanto a limitar o crédito apenas às mensagens que corroborem o conhecimento vigente, está se perdendo uma bela oportunidade de se colocar comunicações sob teste. Um conjunto de relatos em meados do século XIX que fizesse menção aos paradoxos quânticos e relativísticos ou rejeitasse as teorias de superioridade racial seria rejeitado segundo esse critério, uma oportunidade teria ido embora. Preferiu-se ficar à sombra do que já era conhecido como uma forma de provar uma mensagem, quando o mais interessante seria um conteúdo ainda desconhecido para justamente pô-la à prova algum dia. Uma crítica muito freqüente é a falta de descobertas científicas através de mediunidade. Nenhuma cura de doença, dedução de um teorema difícil, sítio arqueológico relatado, ou mesmo uma literatura digna de prêmio Nobel. Para isto existe mais um ad hoc: Os espíritos não trazem nenhum conhecimento pronto porque isto tira o nosso mérito em progredir pelo próprio esforço. Espere aí, não tire o corpo fora. Ninguém falou em seres astrais super-protetores transformando a humanidade encarnada em um bando de indolentes. Pede-se apenas que alguma jóias sejam oferecidas para que se tornem "evidências extraordinárias para alegações extraordinárias". E é bom que se diga que ao relatar civilizações extraterrenas, expor teorias da Lua, defender abiogênese e afirmar que a medicina espiritual curaria doenças letais da época, se trouxe, sim, informações que deveríamos descobrir por nós mesmos; portanto essa desculpa é muito furada.

Quanto às possibilidades de comunicações que fizessem menção aos paradoxos quânticos ou rejeitassem as teorias de superioridade racial, elas poderiam ser rejeitadas por dois motivos: ou porque seriam realmente falsas ou porque o tempo para a reflexão desses problemas ainda não teria chegado. Não adianta chegar uma nova teoria bela e verdadeira, mas que ainda não estamos em condições de entender. Não adianta querer ensinar equações diferenciais para quem ainda sequer aprendeu a derivar. Elas seriam rejeitadas e viriam à tona num outro momento. Nenhum problema nisso. O que não podemos é aceitar algo que parece ilógico, como verdadeiro, sob o pretexto de que ainda não temos condições de entender. Isso seria uma porta escancarada para a mistificação.

Aliás, os espíritas podem rejeitar a nova teoria, mas isso não impede que seus apologistas mantenham a comunicação que, se for verdadeira, pode receber a comprovação um dia. Nenhuma idéia precisa do Espiritismo para se desenvolver.

Quanto ao que nosso caro contraditor diz que "ficamos à sombra do conhecimento existente" e perdemos a oportunidade de ter uma teoria comprovada no futuro, pedimos que espere o futuro chegar. A finalidade do Espiritismo não é se ocupar de previsões, mas cuidar de auxiliar o desenvolvimento moral do homem. Quando as previsões sérias são dadas, elas têm uma razão mais forte do que simplesmente satisfazer a curiosidade e a imaginação das pessoas. Mas, para não dizer que não temos nada, cito abaixo algumas comunicações que foram dadas e que se constituíam em previsões ou idéias precursoras que, em nosso entender, se verificaram:
  1. Em 1860, apareceu uma comunicação com o seguinte teor:

    1o. Teríeis a bondade de dar-nos alguns esclarecimentos sobre certas passagens de vosso último ditado, que nos parecem um pouco obscuras?
    Resp. – Farei o que me for possível no momento.

    2o. Dizeis: a eletricidade, essa sutileza entre o tempo e o que não é mais o tempo, entre o finito e o infinito, esta frase não nos parece muito clara. Teríeis a bondade de expô-la mais detalhadamente?
    Resp. – Explico-me assim, da maneira mais simples que posso. Para vós o tempo existe, não é mesmo? Mas não existe para nós. Assim defini a eletricidade: essa sutileza entre o tempo e o que não é mais o tempo, porque esta parte do tempo do qual outrora devíeis servir para vos comunicardes de um a outro extremo do mundo, esta porção do tempo, digo eu, não existe mais. Mais tarde virá a eletricidade, que não será outra coisa senão o pensamento do homem, transpondo o espaço. Com efeito, não é a imagem mais compreensível entre o finito e o infinito, o pequeno meio e o grande meio? Quero dizer, em síntese, que a eletricidade suprime o tempo.

    3o. Mais adiante dizeis: Não conheceis ainda senão a eletricidade material; mais tarde conhecereis também a eletricidade espiritual. Por isto entendeis os meios de comunicação de homem a homem, por via mediúnica?
    Resp. – Sim, como progressos médios; outra coisa virá mais tarde. Dai aspirações ao homem: a princípio ele adivinha; depois vê.
    (Revista Espírita, ago/1860, Desdobramentos da comunicação anterior (Sobre a Eletricidade Espiritual) (negrito nosso) (A Eletricidade Espiritual)).

    Nessa comunicação podemos subentender claramente as ondas eletromagnéticas com o nome de "Eletricidade Espiritual", que mais tarde possibilitariam as telecomunicações, que representariam "o pensamento do homem transpondo o espaço" e que eliminaria o tempo que era necessário para nos falarmos de um canto do mundo ao outro. Essa comunicação foi dada antes de Maxwell descobrir as correntes de deslocamento, que é o que efetivamente explica e equaciona as ondas eletromagnéticas. Talvez tenha sido sorte... Fazendo um pouco mais de esforço interpretativo, poderíamos encontrar também a idéia básica da teoria da relatividade quando o espírito diz que o tempo não existe para eles.
  2. Em 1866, saiu o seguinte artigo na Revista Espírita, que citamos parcialmente:

    Durante a última doença que tivemos no mês de abril de 1866, estávamos sob o império de uma sonolência e de um arrebatamento quase contínuos; nesses momentos sonhávamos constantemente coisas insignificantes, às quais não prestávamos a mínima atenção. Mas na noite de 24 de abril a visão ofereceu um caráter tão particular que ficamos vivamente impressionados.

    Num lugar que nada lembrava à nossa memória e que se parecia com uma rua, havia uma reunião de indivíduos que conversavam; nesse número só alguns nos eram conhecidos em sonho, mas sem que os pudéssemos designar pelo nome. Considerávamos a multidão e procurávamos captar o assunto da conversa quando, de repente, apareceu no canto de uma muralha, uma inscrição em letras pequenas, brilhantes como fogo, e que nos esforçamos por decifrar. Estava assim concebida: "Descobrimos que a borracha enrolada sob a roda faz uma légua em dez minutos, desde que a estrada..." Enquanto procurávamos o fim da frase, a inscrição apagou-se pouco a pouco e nós acordamos. Temendo esquecer estas palavras singulares, apressamo-nos em as transcrever.

    Qual podia ser o sentido dessa visão, que nada, absolutamente, em nossos pensamentos e em nossas preocupações podia ter provocado? Não nos ocupando nem de invenções, nem de pesquisas industriais, isto não podia ser um reflexo de nossas idéias. Depois, que podia significar essa borracha que, enrolada sob uma roda, fazia uma légua em dez minutos? Era a revelação de alguma nova propriedade dessa substância? Seria ela chamada a representar um papel na locomoção? Queriam pôr-nos no caminho de uma descoberta? Mas, então, por que se dirigir a nós, e não a homens especiais, em condições de fazer os estudos e as experiências necessárias? Contudo, o sonho era muito característico, muito especial, para ser arrolado entre os sonhos de fantasia; devia ter um objetivo; qual? É o que procurávamos inutilmente.

    (....)

    No dia seguinte ele (Dr. Demeure) nos deu esta explicação:

    "O que viste no sonho que me encarreguei de vos explicar não é uma dessas imagens fantásticas, provocadas pela doença; é, realmente, uma manifestação, não de Espíritos desencarnados, mas de Espíritos encarnados. Sabeis que no sono podemos nos encontrar com pessoas conhecidas ou desconhecidas, mortas ou vivas. Foi este último caso que se deu naquela circunstância. Os que vistes são encarnados que, de forma isolada e sem se conhecerem, ocupam-se de invenções tendentes a aperfeiçoar os meios de locomoção, anulando, tanto quanto possível, o excesso de despesa causada pelo desgaste dos materiais hoje em uso. Uns pensaram na borracha, outros em outros materiais; mas o que há de particular é que quiseram chamar a vossa atenção, como assunto de estudo psicológico, sobre a reunião, num mesmo local, de Espíritos de diversos homens, perseguindo o mesmo objetivo. A descoberta não tem relação com o Espiritismo; é apenas o conciliábulo dos inventores que vos quiseram mostrar, e a inscrição não tinha outra finalidade senão especificar, aos vossos olhos, o objetivo principal de sua preocupação, pois há alguns que procuram outras aplicações para a borracha. Ficai persuadido de que assim o é muitas vezes, e que quando vários homens descobrem ao mesmo tempo, quer uma nova lei, quer um novo corpo, em diferentes pontos do globo, seus Espíritos estudaram a questão em conjunto, durante o sono e, ao despertar, cada um trabalha por seu lado, tirando proveito do fruto de suas observações."

    "Notai bem que aí estão idéias de encarnados, e que nada prejulgam quanto ao mérito da descoberta. Pode ser que de todos esses cérebros em ebulição saia algo de útil, como é possível que só saiam quimeras. Desnecessário dizer que seria inútil interrogar os Espíritos a respeito; sua missão, como dissestes em vossas obras, não é poupar ao homem o trabalho das pesquisas, trazendo-lhe invenções acabadas, que seriam outros tantos estímulos à preguiça e à ignorância. Nesse grande torneio da inteligência humana, cada um aí entra por conta própria e a vitória é do mais hábil, do mais perseverante, do mais corajoso." (Revista Espírita, junho/1866 – Um sonho Instrutivo).

    Essa comunicação foi dada 21 anos antes da invenção do "pneu", por John Boyd Dunlop, que efetivamente revolucionou a locomoção. Claro que "borracha enrolada sob a roda" não é um "pneu", mas poderia ser considerado um seu precursor.
  3. Ao longo de toda a codificação e na Revista Espírita, de vez em quando, surgiam comunicações que diziam que os tempos preditos haviam chegado, e anunciavam uma tempestade (guerras e distúrbios sociais) de origem política muito violenta à frente. Não vou citar todas, mas as mais objetivas:
    ...Mas, os acontecimentos, mais fortes que as maquinações em surdina, preparam no horizonte político um temporal bastante violento e, quando a tempestade estalar, tratai de estar bem abrigados, de ser bem fortes e muito desinteressados. Haverá ruínas, invasões, delimitações de fronteiras e, desse naufrágio imenso, que virá da Europa, da Ásia, da América, somente escaparão, ficai sabendo, as almas temperadas, os espíritos esclarecidos, tudo o que for justiça, lealdade, honra, solidariedade.

    (...)

    Pouco importa que o Sol não se esconda sobre as vossas conquistas (da Rússia), nem por isso haverá menos deserdados, menos ranger de dentes, todo um inferno ameaçador e de fauces escancaradas como a imensidade. (Obras Póstumas – Minha primeira iniciação no Espiritismo – Precursores da Tempestade – 30/01/1866)

    Aqui está claro que ele se refere aos acontecimentos que abalaram o século XX, como as duas grandes guerras, mas não se referindo somente a elas. Entre outras coisas não citadas, é quase profético quando o espírito se refere aos "deserdados" russos, que ocorreu quando o comunismo extinguiu a propriedade privada e confiscou tudo em nome da revolução.
    Tudo segue a ordem natural das coisas e as leis imutáveis de Deus não serão subvertidas. Não vereis milagres, nem prodígios, nem fatos sobrenaturais, no sentido vulgarmente dado a essas palavras.

    Não olheis para o céu em busca dos sinais precursores, porquanto nenhum vereis, e os que vo-los anunciarem estarão a enganar-vos. Olhai em torno de vós, entre os homens: aí é que os descobrireis.

    Não sentis que um como vento sopra sobre a Terra e agita todos os Espíritos? O mundo se acha na expectativa e como que presa de um vago pressentimento de que a tempestade se aproxima. (Obras Póstumas – Minha primeira iniciação no Espiritismo – Regeneração da Humanidade – 25/04/1866).

    A comunicação acima também foi publicada na Revista Espírita de outubro de 1866. Interessante ele dizer que o "vento" agitava os Espíritos, pois o início da tempestade anunciada estava há aproximadamente mais de 40 ou 50 anos à frente, e os seus causadores, em quase totalidade, não haviam ainda nascido, estando, portanto, no mundo dos espíritos.

    Pergunta — A comunicação há dias dada faz presumir, ao que parece, acontecimentos muito graves. Poderás dar-nos algumas explicações a respeito?
    Resposta — Não podemos precisar os fatos. O que podemos dizer é que haverá muitas ruínas e desolações, pois são chegados os tempos preditos de uma renovação da Humanidade.

    P. — Quem causará essas ruínas? Será um cataclismo?
    R. — Nenhum cataclismo de ordem material haverá, como o entendeis, mas flagelos de toda espécie assolarão as nações; a guerra dizimará os povos; as instituições vetustas se abismarão em ondas de sangue. Faz-se mister que o velho mundo se esboroe, para que uma nova era se abra ao progresso.

    P. — A guerra não se circunscreverá então a uma região?
    R. — Não, abrangerá a Terra.
    (Obras Póstumas – Minha primeira iniciação no Espiritismo – Acontecimentos – 07/05/1856).

    A comunicação acima dispensa maiores comentários após duas grandes guerras mundiais. E, não!!! Não podemos fornecer evidências de que não passam de coincidências circunstanciais ou de previsões "previsíveis". Cada um que faça o próprio juízo.
citação:
3)Se falar bonito fosse sinal de idoneidade, então os 171 da vida seriam os melhores mentores da humanidade. Este critério é por demais ingênuo. Farsantes deste (e quem sabe do outro) mundo usam palavreado florido e conceitos científicos pouco conhecidos do grande público como uma forma de dar pretensa autoridade. Magnetismo e mecânica quântica, então... isto me faz pensar se algum desse sábios espirituais seria ao menos capaz de resolver uma equação diferencial que se preze.

Não é só a fala bonita que é analisada. É lógico que uma fala bonita revela instrução e alguma inteligência, mas não é só isso que é levado em conta. No nosso caso em particular, tendemos até a desconfiar de uma linguagem muito empolada e do abuso de palavras como amor, caridade, paz, etc., porque já vimos vários exemplos onde elas vêem acompanhadas de idéias esdrúxulas. Os exames lógicos, o controle universal, a não contradição com os fatos científicos positivos, são critérios que têm que ser igualmente atendidos. Isso não garante a verdade, conforme já explicamos, mas diminui as chances de erro. E só mais uma vez reforçando o que foi dito acima: um ensinamento só pode ser aceito como verdade espírita se puder ser provado e entendido; caso contrário, deve ser deixado fora da doutrina e não deve ser divulgado usando o nome "Espiritismo". Os seus respectivos apologistas que usem seus próprios nomes para as inovações que não podem ainda provar.

citação:
4)O "consenso universal", além do problema de ser indutivista, se mostra cada vez mais regional. Diferenças já apareciam no século XIX ( espiritismo inglês, roustaignismo e até em diferenças entre a primeira e segunda edição do LE). Isto aumentou no século XX com novos grupos Nova Era e espiritualistas (não-kardecistas) com suas doutrinas e interpretações próprias. Uma resposta dada a isto foi que estes relatos divergentes não são dados por espíritos que fizeram parte da original "Falange do Espírito da Verdade" (relativa), que auxiliou Kardec. Entretanto, é difícil definir - se é que isto não seria arbitrário - quem pertence a esta casta de "autorizados" ou não. As obras de Edgar Armond e Pietro Ubaldi, por exemplo, são controversas ainda, existindo quem os considere como continuadores e complementares à codificação, e aqueles que toleram estes autores apenas como fundadores de outras vertentes espiritualistas. Só para citar, em um exemplar da revista Visão Espírita (ano 2, número 20, pág. 20, Editora Seda) se encontra um anúncio dos livros de Ubaldi. Como diz o velho ditado: "filho feio não tem pai".

Obras de Pietro Ubaldi, Edgard Armond, por exemplo, não são consideradas espíritas por não serem universalmente aceitas como verdades adquiridas. Não é nenhum preconceito contra esses autores, apesar de termos a nossa restrição às idéias expostas. Mas a doutrina espírita só incorpora verdades ao seu corpo doutrinário, e não hipóteses, por mais lógicas e racionais que pareçam. O Espiritismo caminha a passos seguros, e não sai aceitando qualquer teoria que surja por aí. Uma verdade não precisa ser aceita pelo Espiritismo ou pelos espíritas para ser verdade ou para se desenvolver. Logo, temos absoluta convicção que o fato de não serem aceitas pelo Espiritismo não interferirá em nada na sua pesquisa, no entendimento e na aceitação de tais idéias por quem as ler e concordar. Elas não são espíritas, mas podem ser investigadas por espíritas, pois o Espiritismo não proíbe ninguém de investigar hipóteses não espíritas. Essa é uma medida criada por Kardec a fim de preservar a doutrina de modificações indevidas, que mais tarde teria que se retratar, se algum dia demonstradas falsas. A Federação Espírita Brasileira cometeu um engano (em nosso entender, claro) ao aceitar o roustanguismo e agora tem problemas para se livrar. Imagine se tivesse sido o Espiritismo quem o aceitasse?

Quanto às outras doutrinas espiritualistas com interpretações próprias, desejamos-lhes boa sorte em suas práticas e interpretações, muito embora não lhes prestemos solidariedade ideológica. Se fizerem melhor do que nós, só teremos a aplaudir e imitar-lhes um dia.

citação:
Alguém pode estar pensando que toda a preleção feita acima se refere apenas às ciências experimentais, não tendo nenhuma relação com outros campos. De que maneira poderia o um astrônomo analisar astros tão distantes, um paleontólogo tratar como ratinho de laboratório um animal morto a milhões de anos e um historiador voltar no tempo para assistir a uma importante batalha. Elas não estão sujeitas aos testes popperrianos de refutação.

Nada mais falso! Campos de estudos que se valem de análise indiretos podem (e devem), sim, ter suas teorias postas em xeque. Um astrônomo pode cogitar sobre os elementos que compõem uma estrela e verificar se está certo analisando o espectro de luz emitido por ela. A teoria da evolução pode ser refutada se se descobrir um ser vivo cuja origem não pode explicada ou se encontrar um fóssil de humano moderno ao lado do de um dinossauro, tudo que se imaginava acerca de um evento histórico pode sofrer uma reviravolta com a revelação de um novo documento apresentando nova versão dos fatos. Ciências não-experimentais baseiam-se no controle criterioso de seus dados, na dúvida sistemática, na aplicação de dedução, eliminação de de preconceitos baseados na autoridade ou no bom senso, na busca de contra-provas que possam ser previstas a partir das hipóteses formuladas. Em suma, tudo que já foi exposto acima e o espiritismo deixa a desejar. O fato de espíritos (se existirem) não serem acessíveis diretamente não dá ao espiritismo o direito de ter um tratamento especial.

Provas documentais estão disponíveis às mancheias. Relatos existem aos montes. Basta somente analisar, pois, ainda que mintam, acabam revelando a verdade. Há também desenvolvimentos de métodos de transcomunicação instrumental para atestar a existência dos espíritos. Qualquer um pode tentar, no recanto do lar, manter comunicações com espíritos. É só preciso boa-vontade para ir atrás das evidências materiais e asseguramos que quem o fizer encontrará as provas de que precisa, se for com pensamento desprevenido, claro. O Espiritismo, como ciência, não solicita e não goza de tratamento especial.

citação:
Uma questão ainda pendente é o da "ciência com conseqüências morais". Mesmo que o espiritismo fosse ciência, seria muito arriscado fazer juízos morais baseados em noções científicas. Nas palavras de Stephen J. Gould:

"(...) a descoberta potencial pelos antropólogos de que o assassinato, o infanticídio, o genocídio e a xenofobia podem ter caracterizado muitas sociedades humanas, podem ter prosperado em muitas sociedades humanas e podem até ser benéficos para a adaptação a determinados contextos não oferece nenhum apoio à pressuposição moral de que devemos nos comportar dessa maneira".

(Extraído de Pilares do Tempo, parte 2, Definição e defesa dos ministério não interferentes).

Isso já foi tratado mais acima. A finalidade do Espiritismo é, principalmente, a moral. Mas a moral precisa se sustentar em fatos e, portanto, as partes científica e filosófica existem para evidenciar esses fatos. Ao constatar-se que espíritos existem, que alguns são felizes e outros sofrem, e ao analisar-se o que aconteceu a cada um para vivenciar o estado que vivencia, o Espiritismo seria uma ciência inútil se não tirasse conseqüências (neste caso, morais) de tal estado de coisas, a fim de aconselhar os homens sobre como devem se portar na vida terrena, objetivando merecerem a felicidade e evitarem os sofrimentos. O Espiritismo seria omisso se não o fizesse.

Se alguns acham que o Espiritismo está errado na dedução dessas conseqüências, que virem o rosto. O Espiritismo não promete nada a ninguém, nem mesmo que esteja com a razão. Quem o aceita o faz por conta e risco e, se errar na escolha, assumirá sozinho as conseqüências de seus erros. O Espiritismo apenas externa suas conclusões e opiniões, cabendo a cada um analisar, para aceitá-las ou rejeitá-las.

citação:
Certo que o espiritismo não chega a propor as coisas do exemplo de Gould, mas há as conclusões quanto ao transplante de órgãos citadas na parte "Restauração de Dogmas". Foram afirmações de cunho moral muito duvidoso, tanto que nem são (creio eu com minha experiência humilde no meio) aceitas pela maioria dos espíritas. Ficam como amostras do tipo de equívoco que pode acontecer.

As teses propostas na parte "Restauração de Dogmas" não são espíritas e não temos elementos para afirmar se são ou não aceitas pela maioria dos espíritas, embora nós, particularmente, não simpatizemos com elas. As teses lá propostas são de espíritas, ou de espíritos, e não encontram apoio nem condenação na codificação. Portanto, não vamos comentá-las.

citação:
Há um último comentário a ser feito que não se encontra na tabela do começo do tópico. Os espíritas se colocam fora do conjunto das demais religiões tradicionais por possuírem postulados, ao contrário das demais crenças cristãs que se baseiam em dogmas. Bem, até que ponto isto é verdade vai depender da maneira como der nome aos bois.

Dogmas e postulados partilham entre si a qualidade de serem aceitos sem demonstração. Não vale a regra que dogmas seriam os mistérios da fé mais esdrúxulos, ao passo que postulados seguiriam mais a intuição. Ambos podem ser pontos de partida para raciocínios lógico, ainda que de conclusões duvidosas.

"As definições são dogmas; somente as conclusões retiradas delas podem proporcionar-nos nova perspectiva"

K.Menger, citado por Popper.

Então qual a diferença? A principal distinção se dá através do uso de cada um. Campos de estudo continuam existindo mesmo após uma profunda revisão de seus princípios. Por isso a conseguiu fazer a mudança de seus paradigmas no começo do século XX, a biologia continuou existindo após descrença do "princípio vital" como motor da vida e a geometria alargou seus horizontes para muito além de Euclides. Já uma doutrina, não. O catolicismo sofreria um baque sem a virgindade de Maria antes e após o parto; o protestantismo, não. Ambas rejeitariam com veemência a descoberta de um hipotético cadáver de Cristo, comprovando que ele não ressuscitou, nem ascendeu aos céus. Elas perderiam a razão de ser sem este dogma.

Bem, você pode pensar que o espiritismo está livre desta porque a única maneira de refutá-lo é provar que a mente não sobrevive à morte do corpo, não é? Não, não é. isto valeria para o espiritualismo no sentido mais amplo da palavra. O espiritismo tem uma quantidade maior de pressupostos, o que torna-o mais frágil. Uma prova da sobrevivência da mente ao fim do corpo apenas prova isto: a vida após a morte; não garante nada a respeito da existência de um deus ou regras de "ação e reação" (karma). Deuses podem muito bem continuar não existindo ou não dando a mínima para o que fazemos e até serem imperfeitos, que a vida após a morte não seria um contra-senso. O budismo theravada vive muito bem sem um deus. A reencarnação pode ser um fato como muitos se esmeram em provar, mas ela tem mesmo de ser do jeito que Kardec diz? Poderia se dar por um processo aleatório, independente de um karma; mais de uma essência (ou alma) poderia se reunir em um mesmo ou uma mesma essência se dividir para corpos distintos, possibilidade também aceita por vertentes budistas; novas almas poderiam ser geradas junto com feto, sem nenhum karma passado. Deus, reencarnação, espíritos, karma; espíritas acham que estes conceitos forma um bloco monolítico e que a existência de um depende dos outros, o que não é verdade. Há mais pressuposto que não foram ditos, mas apenas com estes eu pergunto: pode o espiritismo mudar ou até excluir algum deles sem ter que mudar de nome? Se a resposta for um estrondoso SIM, quem sabe exista ainda um modo de mudar a atitude dos espíritas e dar-lhes mais rigor. Se a resposta possuir alguma espécie de "se", então estamos diante de um religião ou, com boa vontade, uma filosofia, nunca uma ciência. O espiritismo possui inspiração racionalista, mas isto não basta para fazer dele um campo de pesquisa.

Em primeiro lugar, está em erro quem diz que o Espiritismo não possui os seus "dogmas", que alguns chamam de princípios ou postulados ou axiomas, como queiram. O próprio Kardec e os espíritos usaram diversas vezes a palavra "dogma" para se referir à reencarnação. É preciso desmistificar o uso dessa palavra. Possuir dogmas não é a mesma coisa que ser dogmático. Ser dogmático é rejeitar os fatos em função do dogma, e isso o Espiritismo não faz.

O dogma tem duas implicações num sistema doutrinário: deve ser absolutamente imutável e deve ser fundamental para o sistema doutrinário. Normalmente não se consideram dogmas as teses não fundamentais. Por exemplo: são dogmas espíritas a reencarnação, a existência de Deus, a sobrevivência e imortalidade da alma, e outros. No item VI da introdução de O Livro dos Espíritos estão sumarizados todos os "dogmas" espíritas. E nosso caro contraditor está certo quando diz que qualquer um deles que caia, leva a doutrina espírita para o chão junto com ele, tornando-a inviável como possibilidade de verdade. Mas, por exemplo, a existência de vida em Júpiter conforme foi descrito na RE, não é um dogma espírita. O Espírito de Verdade ser Jesus não é um dogma espírita. São teses mutáveis em função dos fatos e a doutrina não é abalada por causa deles.

Um sistema doutrinário, possuidor de "dogmas", também pode ser científico. Basta relembrar novamente o Principia de Newton com o dogma do tempo absoluto. Mesmo esse dogma tendo sido refutado, o Principia não se sustenta sem ele. Se tirarmos esse "dogma" da Física Clássica, esta perde a sua identidade e deixa de ser Física Clássica. A Física Clássica é, portanto, um sistema doutrinário, com dogmas, mas nem por isso menos científico.

O problema do dogma não é o dogma em si, mas o dogma falso. Se o Espiritismo possui algum dogma falso, a doutrina vai cair, mais cedo ou mais tarde. Basta esperar o tempo e a crítica executarem seus trabalhos. Mas se são verdadeiros, não há nada que possa ir contra a doutrina espírita.

Se os dogmas espíritas tivessem sido escolhidos aleatoriamente, eu concordaria que uma maior quantidade deles denotaria maior fraqueza, probabilisticamente falando. Mas os dogmas foram escolhidos racionalmente. Não é a quantidade de dogmas que tornaria a doutrina espírita vulnerável, mas a eventual falta de solidez de algum deles. Ainda que o Espiritismo tivesse 1000 dogmas estabelecidos, isso não seria um problema se os mil fossem verdadeiros. Mas ainda não chegou o tempo que os dogmas espíritas serão derrubados.

Quanto à questão de a reencarnação ser do "jeito que Kardec diz", dizemos que não poderia ser concebida de outra forma. A reencarnação, em existindo, precisa ser um processo controlado inteligentemente. Senão, haveria problemas insolúveis:
  1. Como é que um espírito, que está em repouso, encontraria seu futuro corpo?
  2. Se o espírito não está em repouso, e o processo não é inteligente, como é que disputa com outros espíritos um determinado corpo para o reencarne? Seriam como espermatozóides procurando um óvulo, onde o mais "sarado" vence? Então haveriam sempre eternos preteridos como o enfermo que não conseguia chegar antes dos outros ao tanque de Betesda (Jo 5:7)?
  3. E, caso houvesse poucos espíritos, como é que se garantiria que não sobrariam corpos para receberem espíritos, já que não haveria um controle inteligente? Será que um novo corpo insulado lá no meio da selva seria encontrado por um espírito inconsciente reencarnante?
Essas não são as únicas dificuldades e elas são imensas se não consideramos um processo de controle inteligente na reencarnação. À crer nisso, mais racional seria não crer na reencarnação de modo algum. E um processo inteligente, para ser eficiente, precisa ser justo, pois "um reino dividido contra si mesmo não subsistiria e seria destruído".


Rafael Gasparini Moreira
Paulínia/SP
Jan/2008
e-mail: rafael.gasparini@gmail.com


Bibliografia consultada:

  1. Obras Póstumas – Allan Kardec, Editora FEB, 38ª edição, nov/2005, tradução de Guillon Ribeiro da 1ª edição francesa de OEUVRES POSTHUMES (Paris 1890);
  2. O Livro dos Espíritos – Allan Kardec, Editora FEB, 90ª edição, abr/2007, tradução de Guillon Ribeiro de LE LIVRE DES ESPRITS;
  3. O Livro dos Médiuns – Allan Kardec, Editora FEB,79ª edição, jan/2007, tradução de Guillon Ribeiro da 49ª edição francesa de LE LIVRE DES MÉDIUMS;
  4. A Gênese – Allan Kardec, Editora FEB, 49ª edição, abr/2006, tradução de Guillon Ribeiro da 5ª edição francesa, revista, corrigida e ampliada de LA GENÈSE, LES MIRACLES ET LES PRÉDICTIONS SELON LE SPIRITISME;
  5. Revista Espírita 1858, Editora FEB, 3ª edição, out/2004, tradução de Evandro Noleto Bezerra de REVUE SPIRITE: JOURNAL D’ÉTUDES PSYCHOLOGIQUES (Paris 1858).
  6. Revista Espírita 1860, Editora FEB, 1ª edição, abr/2004, tradução de Evandro Noleto Bezerra de REVUE SPIRITE: JOURNAL D’ÉTUDES PSYCHOLOGIQUES (Paris 1860).
  7. Revista Espírita 1866, Editora FEB, 1ª edição, set/2004, tradução de Evandro Noleto Bezerra de REVUE SPIRITE: JOURNAL D’ÉTUDES PSYCHOLOGIQUES (Paris 1866).